Este belo poema do poeta em epígrafe –
note-se, de vida curta, eis que faleceu aos 23 anos, de uma hipertrofia
cardíaca – é todo voltado à representação de passagens imortalizadas na ópera “A
Valquíria”, de Richard Wagner, uma das que compõem a tetralogia “O Anel de
Nibelungo”.
Percebe-se a ênfase que Almeida atribui
ao ressurgimento da lenda nórdica das amazonas no trabalho de recriação
artística do compositor alemão, lenda que, a bem dizer, também se encerra nos
grandes veios da cultura dos povos germânicos.
Cavalgada das
Valquírias
(Richard Wagner)
J.A.R. – H.C.
Moacir de Almeida
(1901-1924)
Cavalgada das
Valquírias(1)
Ouve-se o resfolgar
das Valquírias radiosas,
Soluçando através das
músicas violentas;
E arrojam-se os
corcéis nas nuvens procelosas,
Acordando os trovões
e arrastando as tormentas.
As Valquírias! Há um
luar de seios e de braços
Passando em
turbilhões de lírios... Há um clamor
Nas montanhas... É o
sol que atravessa os espaços,
Amortalhando o céu no
manto abrasador.
E elas voam, soltando
as louras cabeleiras
Nas músicas,
prendendo as notas nos cabelos...
E os cascos dos
corcéis abrem nas cordilheiras
Renos (2)
de estrelas, entre as pedras e entre os gelos.
Da boca dos clarins,
das cordas dos violinos,
Elas surgem, revoando
e constelando o azul:
São tantas que, nos
céus, os seus vultos divinos
Cobrem o espaço como
os galhos da Ermensul.(3)
As Valquírias! Lá
vão, entre dilúvios de astros,
Com os gládios a
escorrer de raios fulminantes.
E as águias brancas,
no ar, vão-lhe seguindo os rastros,
Abrindo à aurora roxa
as asas coruscantes.
E os deuses do
Valhala(4) elevam-se, clamando.
Tor(5)
fulgura: – “Quem ousa acordar o trovão?”
– “Nós já morremos” –
brame Odin(6) no azul nefando.
(E uivam, brancos de
luz, os lobos da amplidão.)
“Quem vos
ressuscitou, fantasmas de harmonia,
– carne de luz e som,
no turbilhão superno?(7)
Que braço vos arrasta
à vastidão sombria?
Que mão vos arrancou
do crepúsculo eterno?”
E elas rugem,
correndo em seus corcéis de bruma:
– “Viemos do coração
de Wagner...” E os clarões
Dos seus corpos de
som abrem os astros, numa
Via-Láctea infernal
de gládios e visões...
Cavalgada das
Valquírias
(William T. Maud:
pintor britânico)
Elucidário:
(1) Na mitologia nórdica, as Valquírias
eram amazonas montadas em corcéis que tinham por missão transportar as almas
dos guerreiros mortos nas batalhas para o Palácio de Odin (Valhala);
(2) Flexão sobre a palavra Reno, o rio que
corta vários países da Europa, entre eles a Alemanha;
(3) Símbolo religioso dos pagãos saxônicos
da Westfália, representado por um carvalho ou por pilares de madeira;
(4) Palácio onde as almas dos guerreiros
mortos em combate eram recebidas para servir ao deus Odin;
(5) Tor ou Thor, filho de Odin, é a divindade
nórdica pagã que rege os trovões e as batalhas;
(6) Deus principal do clã dos deuses Asses
(Æsir), o mais importante entre os da mitologia nórdica;
(7) Que tem poder absoluto, supremo.
Referência:
ALMEIDA, Moacir de. Cavalgada das
Valquírias. In: __________. Gritos bárbaros. Rio de Janeiro: Benjamim
Costallat & Miccolis Editores, 1925. p. 114-115.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário