Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 20 de junho de 2017

Alastair Reid - A Curiosidade

O tema maior deste poema, da pena de um poeta escocês especializado em literatura sul-americana, é a curiosidade de que cada um deve se investir, de sorte que, arriscando, possa experimentar a vida do modo o mais completo possível.

Ao cuidar de gatos como representações de humanos, faz-nos lembrar os poemas de Eliot já aqui postados: os felinos, em sua velhice, têm muitas histórias para contar de suas nove vidas e mortes metafóricas.

A vida da infância, a da adolescência, a da idade adulta, a da melhor idade – que eufemismo! (rs) –, até que, por fim, sobrevenha a morte física. Para passar por cada etapa da vida, alguns adotam posturas de gatos – espíritos aventureiros, pouco dados à estabilidade do lar, algo irresponsáveis –; outros, as condutas de cães – avaliando as consequências, nada expostos a riscos, trancafiados no seguro. E você, internauta, parece-se com um gato ou um cão?

J.A.R. – H.C.

Alastair Reid
(1926-2014)

Curiosity

may have killed the cat; more likely
the cat was just unlucky, or else curious
to see what death was like, having no cause
to go on licking paws, or fathering
litter on litter of kittens, predictably.

Nevertheless, to be curious
is dangerous enough. To distrust
what is always said, what seems,
to ask odd questions, interfere in dreams,
leave home, smell rats, have hunches
do not endear cats to those doggy circles
where well-smelt baskets, suitable wives, good lunches
are the order of things, and where prevails
much wagging of incurious heads and tails.

Face it. Curiosity
will not cause us to die –
only lack of it will.
Never to want to see
the other side of the hill
or that improbable country
where living is an idyll
(although a probable hell)
would kill us all.
Only the curious
have, if they live, a tale
worth telling at all.

Dogs say cats love too much, are irresponsible,
are changeable, marry too many wives,
desert their children, chill all dinner tables
with tales of their nine lives.
Well, they are lucky. Let them be
nine-lived and contradictory,
curious enough to change, prepared to pay
the cat price, which is to die
and die again and again,
each time with no less pain.
A cat-minority of one
is all that can be counted on
to tell the truth. And what cats have to tell
on each return from hell
is this: that dying is what the living do,
that dying is what the loving do,
and that dead dogs are those who do not know
that dying is what, to live, each has to do.

A Curiosidade
(Arthur Heyer: pintor alemão-húngaro)

A Curiosidade

pode ter matado o gato; o mais provável
é que ele fosse apenas desafortunado, ou então curioso
em ver como seria a morte, sem razões para
continuar lambendo as patas, ou a gerar ninhada
atrás de ninhada de gatinhos, como esperável.

No entanto, ser curioso
é bastante arriscado. Desconfiar
do que sempre se diz, das aparências,
fazer perguntas estranhas, interferir nos sonhos,
sair de casa, cheirar ratos ou ter pressentimentos
não torna os gatos benquistos naqueles círculos caninos
onde cestas perfumadas, distintas esposas, bons repastos
são a ordem das coisas, e onde prevalece
muito meneio de cabeças e caudas indiferentes.

Aceita-o. A curiosidade
não nos fará morrer –
somente a sua carência o fará.
Nunca desejar ver
o outro lado da colina
ou aquele improvável país
onde viver é um idílio
(ainda que um inferno provável)
nos mataria a todos.
Somente os curiosos
têm, se mantiverem-se vivos, uma história
digna de se revelar a todos.

Os cães dizem que os gatos amam demais, são irresponsáveis,
inconstantes, desposam muitas parceiras,
desertam seus filhos, esfriam todos as refeições noturnas
com relatos de suas nove vidas.
Bem, eles têm sorte. Deixa-os gozar
suas nove vidas e suas contradições,
curiosos o bastante para mudar, dispostos a pagar
o preço felino, que é morrer
e morrer de novo e outra vez,
sem que, a cada vez, a dor se mitigue.
Uma minoria de um gato
é tudo de que dispomos
para contar a verdade. E o que os gatos têm a contar
a cada regresso do inferno
é isto: que a morte é a sina dos vivos,
a fortuna dos amantes,
e que os cães mortos desconhecem
que morrer é o modo de ação de cada qual para poder viver.

Referência:

REID, Alastair. Curiosity. In: PARINI, Jay (Org.). The wadsworth anthology of poetry. Boston, MA: Thomson & Wadsworth, 2006. p. 1379-1380.
ö

2 comentários:

  1. Alastair Reid, é citado no filme "O carteiro e o Poet", como tradutor de "Poetry" da Seleção de Poemas de Pablo Neruda. Não consegui a tradução do texto em inglês que se destaca como epígrafe no final do filme: Assim se registra: "Poetry" by kind permission of Jonathan Cape from Pablo Neruda's Selected Poems translated by Alastair Reid]. Meu e-mail para resposta: paulorobertogomesdelima70@gmail.com

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    1. Prezado Paulinho: vão aqui as informações solicitadas.
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

      Referência:

      NERUDA, Pablo. La poesía / Poetry. Translated from the Spanish by Alastair Reid. In: __________. The essential Neruda: selected poems. Edited by Mark Eisner. Translated by Forrest Gander et al. Bilingual Edition. San Francisco, CA: City Lights, 2004. In Spanish: p. 166 and 168; in English: p. 167 and 169.

      La Poesía

      Y fue a esa edad... Llegó la poesía
      a buscarme. No sé, no sé de dónde
      salió, de invierno o río.
      No sé cómo ni cuándo,
      no, no eran voces, no eran
      palabras, ni silencio,
      pero desde una calle me llamaba,
      desde las ramas de la noche,
      de pronto entre los otros,
      entre fuegos violentos
      o regresando solo,
      allí estaba sin rostro
      y me tocaba.

      Yo no sabía qué decir, mi boca
      no sabía
      nombrar,
      mis ojos eran ciegos,
      y algo golpeaba en mi alma,
      fiebre o alas perdidas,
      y me fui haciendo solo,
      descifrando
      aquella quemadura,
      y escribí la primera línea vaga,
      vaga, sin cuerpo, pura
      tontería,
      pura sabiduría
      del que no sabe nada,
      y vi de pronto
      el cielo
      desgranado
      y abierto,
      planetas,
      plantaciones palpitantes,
      la sombra perforada,
      acribillada
      por flechas, fuego y flores,
      la noche arrolladora, el universo.

      Y yo, mínimo ser,
      ebrio del gran vacío
      constelado,
      a semejanza, a imagen
      del misterio,
      me sentí parte pura
      del abismo,
      rodé con las estrellas,
      mi corazón se desató en el viento.

      Poetry

      And it was at that age... Poetry arrived
      in search of me. I don't know, I don't know where
      it came from, from winter or a river.
      I don’t know how or when,
      no, they were not voices, they were not
      words, nor silence,
      but from a street I was summoned,
      frm the branches of night,
      abruptly from others,
      among violent fires
      or returning alone,
      there I was without a face
      and it touched me.

      I did not know what to say, my mouth
      had no way
      with names,
      my eyes were blind,
      and something started in my soul,
      fever or forgotten wings,
      and I made my own way,
      deciphering
      that fire,
      and I wrote the firts faint line,
      faint, without substance, pure
      nonsense,
      pure wisdom
      of someone who knows nothing,
      and suddenly I saw
      the heavens
      unfastened
      and open,
      planets,
      palpitating plantations,
      shadow perforated,
      riddled
      with arrows, fire and flowers,
      the winding night, the universe.

      And I, infitesimal being,
      drunk with the great starry
      void,
      likeness, image of
      mystery,
      for myself a pure part of the abyss,
      I wheeled with the stars,
      my heart broke loose on the wind.

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