O tema maior deste poema, da pena de um
poeta escocês especializado em literatura sul-americana, é a curiosidade de que
cada um deve se investir, de sorte que, arriscando, possa experimentar a vida
do modo o mais completo possível.
Ao cuidar de gatos como representações
de humanos, faz-nos lembrar os poemas de Eliot já aqui postados: os felinos, em
sua velhice, têm muitas histórias para contar de suas nove vidas e mortes
metafóricas.
A vida da infância, a da adolescência,
a da idade adulta, a da melhor idade – que eufemismo! (rs) –, até que, por fim,
sobrevenha a morte física. Para passar por cada etapa da vida, alguns adotam
posturas de gatos – espíritos aventureiros, pouco dados à estabilidade do lar,
algo irresponsáveis –; outros, as condutas de cães – avaliando as consequências,
nada expostos a riscos, trancafiados no seguro. E você, internauta, parece-se
com um gato ou um cão?
J.A.R. – H.C.
Alastair Reid
(1926-2014)
Curiosity
may have killed the
cat; more likely
the cat was just
unlucky, or else curious
to see what death was
like, having no cause
to go on licking
paws, or fathering
litter on litter of
kittens, predictably.
Nevertheless, to be
curious
is dangerous enough.
To distrust
what is always said,
what seems,
to ask odd questions,
interfere in dreams,
leave home, smell
rats, have hunches
do not endear cats to
those doggy circles
where well-smelt
baskets, suitable wives, good lunches
are the order of
things, and where prevails
much wagging of
incurious heads and tails.
Face it. Curiosity
will not cause us to
die –
only lack of it will.
Never to want to see
the other side of the
hill
or that improbable
country
where living is an
idyll
(although a probable
hell)
would kill us all.
Only the curious
have, if they live, a
tale
worth telling at all.
Dogs say cats love
too much, are irresponsible,
are changeable, marry
too many wives,
desert their
children, chill all dinner tables
with tales of their
nine lives.
Well, they are lucky.
Let them be
nine-lived and
contradictory,
curious enough to
change, prepared to pay
the cat price, which
is to die
and die again and
again,
each time with no
less pain.
A cat-minority of one
is all that can be
counted on
to tell the truth.
And what cats have to tell
on each return from
hell
is this: that dying
is what the living do,
that dying is what
the loving do,
and that dead dogs
are those who do not know
that dying is what,
to live, each has to do.
A Curiosidade
(Arthur Heyer: pintor
alemão-húngaro)
A Curiosidade
pode ter matado o
gato; o mais provável
é que ele fosse
apenas desafortunado, ou então curioso
em ver como seria a
morte, sem razões para
continuar lambendo as
patas, ou a gerar ninhada
atrás de ninhada de
gatinhos, como esperável.
No entanto, ser
curioso
é bastante arriscado.
Desconfiar
do que sempre se diz,
das aparências,
fazer perguntas
estranhas, interferir nos sonhos,
sair de casa, cheirar
ratos ou ter pressentimentos
não torna os gatos
benquistos naqueles círculos caninos
onde cestas
perfumadas, distintas esposas, bons repastos
são a ordem das
coisas, e onde prevalece
muito meneio de
cabeças e caudas indiferentes.
Aceita-o. A
curiosidade
não nos fará morrer –
somente a sua
carência o fará.
Nunca desejar ver
o outro lado da
colina
ou aquele improvável
país
onde viver é um
idílio
(ainda que um inferno
provável)
nos mataria a todos.
Somente os curiosos
têm, se mantiverem-se
vivos, uma história
digna de se revelar a
todos.
Os cães dizem que os
gatos amam demais, são irresponsáveis,
inconstantes, desposam
muitas parceiras,
desertam seus filhos,
esfriam todos as refeições noturnas
com relatos de suas
nove vidas.
Bem, eles têm sorte. Deixa-os
gozar
suas nove vidas e
suas contradições,
curiosos o bastante
para mudar, dispostos a pagar
o preço felino, que é
morrer
e morrer de novo e
outra vez,
sem que, a cada vez,
a dor se mitigue.
Uma minoria de um
gato
é tudo de que
dispomos
para contar a
verdade. E o que os gatos têm a contar
a cada regresso do
inferno
é isto: que a morte é
a sina dos vivos,
a fortuna dos
amantes,
e que os cães mortos desconhecem
que morrer é o modo
de ação de cada qual para poder viver.
Referência:
REID, Alastair. Curiosity. In: PARINI,
Jay (Org.). The wadsworth anthology of poetry. Boston, MA: Thomson &
Wadsworth, 2006. p. 1379-1380.
ö
Alastair Reid, é citado no filme "O carteiro e o Poet", como tradutor de "Poetry" da Seleção de Poemas de Pablo Neruda. Não consegui a tradução do texto em inglês que se destaca como epígrafe no final do filme: Assim se registra: "Poetry" by kind permission of Jonathan Cape from Pablo Neruda's Selected Poems translated by Alastair Reid]. Meu e-mail para resposta: paulorobertogomesdelima70@gmail.com
ResponderExcluirPrezado Paulinho: vão aqui as informações solicitadas.
ExcluirUm abraço,
João A. Rodrigues
Referência:
NERUDA, Pablo. La poesía / Poetry. Translated from the Spanish by Alastair Reid. In: __________. The essential Neruda: selected poems. Edited by Mark Eisner. Translated by Forrest Gander et al. Bilingual Edition. San Francisco, CA: City Lights, 2004. In Spanish: p. 166 and 168; in English: p. 167 and 169.
La Poesía
Y fue a esa edad... Llegó la poesía
a buscarme. No sé, no sé de dónde
salió, de invierno o río.
No sé cómo ni cuándo,
no, no eran voces, no eran
palabras, ni silencio,
pero desde una calle me llamaba,
desde las ramas de la noche,
de pronto entre los otros,
entre fuegos violentos
o regresando solo,
allí estaba sin rostro
y me tocaba.
Yo no sabía qué decir, mi boca
no sabía
nombrar,
mis ojos eran ciegos,
y algo golpeaba en mi alma,
fiebre o alas perdidas,
y me fui haciendo solo,
descifrando
aquella quemadura,
y escribí la primera línea vaga,
vaga, sin cuerpo, pura
tontería,
pura sabiduría
del que no sabe nada,
y vi de pronto
el cielo
desgranado
y abierto,
planetas,
plantaciones palpitantes,
la sombra perforada,
acribillada
por flechas, fuego y flores,
la noche arrolladora, el universo.
Y yo, mínimo ser,
ebrio del gran vacío
constelado,
a semejanza, a imagen
del misterio,
me sentí parte pura
del abismo,
rodé con las estrellas,
mi corazón se desató en el viento.
Poetry
And it was at that age... Poetry arrived
in search of me. I don't know, I don't know where
it came from, from winter or a river.
I don’t know how or when,
no, they were not voices, they were not
words, nor silence,
but from a street I was summoned,
frm the branches of night,
abruptly from others,
among violent fires
or returning alone,
there I was without a face
and it touched me.
I did not know what to say, my mouth
had no way
with names,
my eyes were blind,
and something started in my soul,
fever or forgotten wings,
and I made my own way,
deciphering
that fire,
and I wrote the firts faint line,
faint, without substance, pure
nonsense,
pure wisdom
of someone who knows nothing,
and suddenly I saw
the heavens
unfastened
and open,
planets,
palpitating plantations,
shadow perforated,
riddled
with arrows, fire and flowers,
the winding night, the universe.
And I, infitesimal being,
drunk with the great starry
void,
likeness, image of
mystery,
for myself a pure part of the abyss,
I wheeled with the stars,
my heart broke loose on the wind.