Gelman, autor argentino de origem
judaica, dirige-se a três poetas latino-americanos, que lhe parecem estar envoltos
em pormenores, obcecados com a própria imortalidade, naquilo que se prendem a
visões metafísicas da realidade e ao individualismo criativo.
Em sua visão, os três seriam paradigmas
de uma poética prematuramente caduca, atrelada à dimensão estática da beleza, sobrecarregada de valores que a afastam do fluxo natural da vida, de
seu trânsito irrepetível, pleno de outras tantas e frementes belezas.
J.A.R. – H.C.
Juan Gelman
(1930-2014)
Bellezas
Octavio Paz Alberto
Girri José Lezama Lima y demás obsedidos por
la inmortalidad
creyendo
que la vida como
belleza es estática e imperfecto el movimiento
o impuro
¿han comenzado a los
cincuenta de edad
a ser empujados por
el terror de la muerte?
el perro que mira
acostado el domingo ¿no es inmortal en ese
instante o diluvio
de la tarde contemplándose
en sus ojos?
¿no ha quedado acaso
el perro clavado a esa contemplación
que lo embellece o
sobrevuela como ardor en la tarde?
y el deseo de Octavio
Alberto José ¿no es movimiento acaso
y el movimiento su
ser cuando atrapan la palabra justa o injusta?
¿no debe correr mucho
quien quiera bañarse dos veces en el mismo
río?
¿no debe amar mucho
quien quiera amarse dos veces en el mismo
amor?
y nuestro cuerpo ¿no ha sido inmortal
uniéndose
al cuerpo amado con
trabajos que pocos desdeñan
y despegándose
desgarrándose o rompiendo incandescencias bocas
que rodarían en la
noche como criaturas extraviadas que pueden
hablar ya?
y yesos cuerpos ¿no han venido para
irse acaso dejando
un tránsito que nadie
recorrerá sino ellos
que ardieron o arden
como un perro mirando el domingo bajo el
avión lento de Venus
y demás planetas en
pura consumación?
y Octavio Alberto
José eligiendo
sea cantar el término
la finitud con voces melancólicas sea
emperrados en fijar
un instante creyendo que la vida como belleza
es estática
¿acaso no dan luz como
planetas ciegos a su propio destino?
¿y qué piensan la
estrella el perro contemplando a Octavio trabajar?
¿no les llegará acaso
su luz?
¿no es el sujeto del
deseo la materia como el del macho la hembra?
¿no ha de girar Alberto
como vida terrible cercenable indestructible
en la noche del
mundo?
y José preso en su
José mirando la calle
mirándola desde esta
eternidad verdaderamente
¿no mira contando
comparando los quioscos de flores las vidrieras
la gente?
bajo la sombra del patíbulo
¿no contempla la belleza que pasa como
lejos de su propio
terminar?
Octavio Alberto José
niños ¿por qué fingen que no llevan la calma
donde reina
confusión?
¿por qué no admiten
que dan valor a los oprimidos o suavidad o
dulzura?
¿por qué se afilian
como viejos a la vejez?
¿por qué se pierden en
detalles como la muerte personal?
Moinho de Vento na
Costa do Mar
(Ivan Aivazovsky:
pintor russo)
Belezas
Octavio Paz Alberto
Girri José Lezama Lima e demais obcecados pela
imortalidade crendo
que a vida como
beleza é estática e imperfeito o movimento
ou impuro
começaram aos
cinquenta de idade
a ser empurrados pelo
terror da morte?
o cão que observa recostado
o domingo não é imortal nesse
instante ou dilúvio
da tarde
contemplando-se em seus olhos?
acaso não permaneceu
o cão fixado a essa contemplação
que o embeleza ou que
sobrevoa como ardor na tarde?
e o desejo de Octavio
Alberto José não é acaso movimento
e o movimento seu ser
quando agarram a palavra justa ou injusta?
não deve muito correr
quem quiser banhar-se duas vezes no mesmo
rio?
não deve amar muito
quem quiser amar-se duas vezes no mesmo
amor?
e nosso corpo não se
tornou imortal unindo-se
ao corpo amado com
trabalhos que poucos desdenham
e despegando-se desgarrando-se
ou rompendo incandescências bocas
que rodariam na noite
como criaturas extraviadas que podem
já falar?
e acaso esses corpos não
vieram para ir-se deixando
um trânsito que
ninguém percorrerá senão eles
que arderam ou ardem
como um cão a observar o domingo sob o
avião lento de Vênus
e demais planetas em
pura consumação?
E Octavio Alberto
José escolhendo
seja cantar o término
a finitude com vozes melancólicas seja
obstinados em fixar
um instante crendo que a vida como beleza
é estática
acaso não dão luz
como planetas cegos a seu próprio destino?
e o que pensam a
estrela o cão contemplando Octavio a trabalhar?
acaso não lhes
chegará a sua luz?
não é o sujeito do
desejo a matéria como o do macho a fêmea?
Alberto não há de
girar como vida terrível cerceável indestrutível
na noite do mundo?
e José preso em seu
José vendo a rua
olhando-a verdadeiramente
desde esta eternidade
não a observa
contando comparando os quiosques de flores os vitrais
a gente?
sob a sombra do
patíbulo não contempla a beleza que passa ainda
tão distante do seu
próprio fim?
Octavio Alberto José
meninos por que fingem que não levam a calma
onde reina a
confusão?
por que não admitem
que dão valor aos oprimidos ou à suavidade ou
à doçura?
por que se afiliam
como velhos à velhice?
por que se perdem em
detalhas como a morte pessoal?
Referência:
GELMAN, Juan. Bellezas. In: BORDA, Juán
Gustavo Cobo (Selección, prólogo y notas). Antología de la poesía
hispanoamericana. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1985. p. 394-395.
(Colección Tierra Firme)
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