Há inúmeros versos no coração do poeta,
tanto quantos lhe aprouver: basta fazê-los seguir trilha e sentido, para
descerem do azul alado da bruma, abastados com toda a sua inerente humanidade.
Contudo, diz-nos a voz lírica que, ao
pretender sangrar o seu íntimo para neles distribuir o rocio “da ternura, de
sonho e de ilusão”, emergem outros tantos versos, desta feita somente
confidenciados a quem lhe é igual.
J.A.R. – H.C.
Miguel Torga
(1907-1995)
Intimidade
Meu coração tem
quantos versos quer;
É só pulsá-los com
medida e rumo.
É só erguer-se a pino
a um céu qualquer,
E desse alado azul
cair a prumo.
Lago se desvanece o
negro encanto
Que os tinha ocultos
no condão da bruma;
Logo o seu corpo
esguio rasga o manto,
E mostra a humanidade
que ressuma.
Mas quando ele sangra
para os orvalhar
De ternura, de sonho
e de ilusão,
São outros versos...
para segredar
A quem é seu irmão.
A Sibila Délfica
(Michelangelo
Buonarroti: artista italiano)
Referência:
TORGA, Miguel. Intimidade. In: AMORA,
Antônio Soares; MOISÉS, Massaud; SPINA, Segismundo (Diretores). Presença da
literatura portuguesa. V. III: simbolismo e modernismo. São Paulo, SP:
Difusão Europeia do Livro, 1961. p. 302.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário