Borges, sabem-se lá por quais
caprichos da Academia Sueca, nunca foi condecorado com o Nobel de Literatura, brilha
tanto pelas páginas que escreveu, quanto pelas que leu, muito embora, em certo
poema (“Un Lector” / “Um Leitor”), afirme que se orgulha bem mais destas últimas.
Na obra em que consta o poema acima mencionado,
tanto quanto o selecionado para esta postagem – “Elogio de la Sombra” (“Elogio
da Sombra”), de 1969 –, estão alguns de seus mais belos poemas, permeados pelo
tema da velhice, cuja temporada lhe parece encerrar a própria felicidade, em
meio às já consabidas tônicas dos espelhos, dos labirintos e da eternidade, e, claro está, muito a despeito da cegueira que lhe acometeu.
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Elogio de la Sombra
La vejez (tal es el
nombre que los otros le dan)
puede ser el tiempo
de nuestra dicha.
El animal ha muerto o
casi ha muerto.
Quedan el hombre y su
alma.
Vivo entre formas
luminosas y vagas
que no son aún la
tiniebla.
Buenos Aires,
que antes se
desgarraba en arrabales
hacia la llanura
incesante,
ha vuelto a ser la Recoleta,
el Retiro,
las borrosas calles
del Once
y las precarias casas
viejas
que aún llamamos el
Sur.
Siempre en mi vida
fueron demasiadas las cosas;
Demócrito de Abdera
se arrancó los ojos para pensar;
el tiempo ha sido mi
Demócrito.
Esta penumbra es
lenta y no duele;
fluye por un manso
declive
y se parece a la
eternidad.
Mis amigos no tienen
cara,
las mujeres son lo
que fueron hace ya tantos años,
las esquinas pueden
ser otras,
no hay letras en las
páginas de los libros.
Todo esto debería
atemorizarme,
pero es una dulzura,
un regreso.
De las generaciones
de los textos que hay en la tierra
sólo habré leído unos
pocos,
los que sigo leyendo
en la memoria,
leyendo y
transformando.
Del Sur, del Este,
del Oeste, del Norte,
convergen los caminos
que me han traído
a mi secreto centro.
Esos caminos fueron
ecos y pasos,
mujeres, hombres,
agonías, resurrecciones,
días y noches,
entresueños y sueños,
cada ínfimo instante
del ayer
y de los ayeres del
mundo,
la firme espada del
danés y la luna del persa,
los actos de los
muertos,
el compartido amor,
las palabras,
Emerson y la nieve y
tantas cosas.
Ahora puedo
olvidarlas. Llego a mi centro,
a mi álgebra y mi
clave,
a mi espejo.
Pronto sabré quién
soy.
Natureza-Morta com
Globo e Livros
sobre uma Escrivaninha
(Caroline Therese Friedrich:
pintora alemã)
Elogio da Sombra
A velhice (tal é o
nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de
nossa felicidade.
O animal morreu ou
quase morreu.
Restam o homem e sua
alma.
Vivo entre formas
luminosas e vagas
que não são ainda a
escuridão.
Buenos Aires,
que antes se
espalhava em subúrbios
em direção à planície
incessante,
voltou a ser La
Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do
Once
e as precárias casas
velhas
que ainda chamamos o
Sul.
Sempre em minha vida
foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera
arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu
Demócrito.
Esta penumbra é lenta
e não dói;
flui por um manso
declive
e se parece à
eternidade.
Meus amigos não têm
rosto,
as mulheres são
aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser
outras,
não há letras nas
páginas dos livros.
Tudo isso deveria
atemorizar-me,
mas é um deleite, um
retorno.
Das gerações dos
textos que há na terra
só terei lido uns
poucos,
os que continuo lendo
na memória,
lendo e
transformando.
Do Sul, do Leste, do
Oeste, do Norte
convergem os caminhos
que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram
ecos e passos,
mulheres, homens,
agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e
sonhos,
cada ínfimo instante
do ontem
e dos ontens do
mundo,
a firme espada do
dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor,
as palavras,
Emerson e a neve e
tantas coisas.
Agora posso
esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e
minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem
sou.
Referências:
Em Espanhol
BORGES, Jorge Luis. Elogio de la
sombra. In: __________. Obras completas. Tomo I: 1923-1972. Elogio de la
sombra. 14. ed. Buenos Aires, AR: Emecé Editores, 1984. p. 1017-1018.
Em Português
BORGES, Jorge Luis. Elogio da sombra.
In: __________. Elogio da sombra. 2. ed. Tradução de Carlos Nejar e
Alfredo Jacques. São Paulo, SP: Globo, 2001. p. 81-82.
❁
Jorge L. Borges era mesmo um poço de conhecimento literário, sem falar o notório talento com as palavras.
ResponderExcluir