Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Jorge Luis Borges - Elogio da Sombra

Borges, sabem-se lá por quais caprichos da Academia Sueca, nunca foi condecorado com o Nobel de Literatura, brilha tanto pelas páginas que escreveu, quanto pelas que leu, muito embora, em certo poema (“Un Lector” / “Um Leitor”), afirme que se orgulha bem mais destas últimas.

Na obra em que consta o poema acima mencionado, tanto quanto o selecionado para esta postagem – “Elogio de la Sombra” (“Elogio da Sombra”), de 1969 –, estão alguns de seus mais belos poemas, permeados pelo tema da velhice, cuja temporada lhe parece encerrar a própria felicidade, em meio às já consabidas tônicas dos espelhos, dos labirintos e da eternidade, e, claro está, muito a despeito da cegueira que lhe acometeu.

J.A.R. – H.C.

Jorge Luis Borges
(1899-1986)

Elogio de la Sombra

La vejez (tal es el nombre que los otros le dan)
puede ser el tiempo de nuestra dicha.
El animal ha muerto o casi ha muerto.
Quedan el hombre y su alma.
Vivo entre formas luminosas y vagas
que no son aún la tiniebla.
Buenos Aires,
que antes se desgarraba en arrabales
hacia la llanura incesante,
ha vuelto a ser la Recoleta, el Retiro,
las borrosas calles del Once
y las precarias casas viejas
que aún llamamos el Sur.
Siempre en mi vida fueron demasiadas las cosas;
Demócrito de Abdera se arrancó los ojos para pensar;
el tiempo ha sido mi Demócrito.
Esta penumbra es lenta y no duele;
fluye por un manso declive
y se parece a la eternidad.
Mis amigos no tienen cara,
las mujeres son lo que fueron hace ya tantos años,
las esquinas pueden ser otras,
no hay letras en las páginas de los libros.
Todo esto debería atemorizarme,
pero es una dulzura, un regreso.
De las generaciones de los textos que hay en la tierra
sólo habré leído unos pocos,
los que sigo leyendo en la memoria,
leyendo y transformando.
Del Sur, del Este, del Oeste, del Norte,
convergen los caminos que me han traído
a mi secreto centro.
Esos caminos fueron ecos y pasos,
mujeres, hombres, agonías, resurrecciones,
días y noches,
entresueños y sueños,
cada ínfimo instante del ayer
y de los ayeres del mundo,
la firme espada del danés y la luna del persa,
los actos de los muertos,
el compartido amor, las palabras,
Emerson y la nieve y tantas cosas.
Ahora puedo olvidarlas. Llego a mi centro,
a mi álgebra y mi clave,
a mi espejo.
Pronto sabré quién soy.

Natureza-Morta com Globo e Livros
sobre uma Escrivaninha
(Caroline Therese Friedrich: pintora alemã)

Elogio da Sombra

A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.

Referências:

Em Espanhol

BORGES, Jorge Luis. Elogio de la sombra. In: __________. Obras completas. Tomo I: 1923-1972. Elogio de la sombra. 14. ed. Buenos Aires, AR: Emecé Editores, 1984. p. 1017-1018.

Em Português

BORGES, Jorge Luis. Elogio da sombra. In: __________. Elogio da sombra. 2. ed. Tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques. São Paulo, SP: Globo, 2001. p. 81-82.

Um comentário:

  1. Jorge L. Borges era mesmo um poço de conhecimento literário, sem falar o notório talento com as palavras.

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