Sena deplora os argumentos daqueles que
teorizam sobre a força da tradição de um idioma – a exemplo do português –,
fundado no lastro histórico e cultural de um povo, para os pósteros fixado em
palavras que conformam a sua literatura.
Rejeita ele tal tese, ao presenciar os
seus rebentos – talvez nascidos em Portugal –, a dialogarem no idioma inglês, quando
todos se encontravam radicados em Wisconsin, onde Sena lecionou Literatura de
Língua Portuguesa na universidade daquele Estado norte-americano.
J.A.R. – H.C.
Jorge de Sena
(1919-1978)
Noções de Linguística
Ouço os meus filhos a
falar inglês
entre eles. Não os
mais pequenos só
mas os maiores também
e conversando
com os mais pequenos.
Não nasceram cá,
todos cresceram tendo
nos ouvidos
o português. Mas em
inglês conversam,
não apenas serão
americanos: dissolveram-se,
dissolvem-se num mar
que não é deles.
Venham falar-me dos
mistérios da poesia,
das tradições de uma
linguagem, de uma raça,
daquilo que se não
diz com menos que a experiência
de um povo e de uma
língua. Bestas.
As línguas, que duram
séculos e mesmo sobrevivem
esquecidas noutras,
morrem todos os dias
na gaguez daqueles
que as herdaram:
e são tão imortais
que meia dúzia de anos
as suprime da boca
dissolvida
ao peso de outra
raça, outra cultura.
Tão metafísicas, tão
intraduzíveis,
que se derretem
assim, não nos altos céus,
mas na caca
quotidiana de outras.
Outubro 70
Mãe Juene e suas
crianças
(Paul Delaroche:
pintor francês)
Referência:
SENA, Jorge de. Noções de lingüística. In:
__________. Versos e alguma prosa de Jorge de Sena. Prefácio e selecção
de textos de Eugénio Lisboa. Lisboa (PT): Arcádia e Moraes, 1979. p. 110.
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