Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Vasco Graça Moura - presente do indicativo

No ambiente da cozinha, o poeta conjuga, no presente do indicativo, os diversos verbos associados ao ato de se preparar uma salada, ao descrever alguém do sexo feminino que leva à frente tal tarefa, para a qual são necessários “vários gestos precisos e uma poética discreta nos brilhos frisados, nos paladares”.

Estar ali, interagindo com “ela”, faz-lhe recordar alguns versos populares que comparam os seus olhos a azeitonas pretas, enquanto a vida transcorre normalmente à volta, ou melhor, na rua, com ciclistas e crianças a brincar, como se pode inferir pelo ruído das campainhas de bicicleta e pelo quicar da bola.

J.A.R. – H.C.

Vasco Graça Moura
(1942-2014)

presente do indicativo

entro na cozinha. ela está no meio dos legumes,
lava e enxuga folhas tenras de alface, endívias
de oblonga contextura, corta a cebola às
rodelas, pica um ramo de coentros,
hesita um pouco sobre o roquefort, é certeira no vinagre e no sal,

e prudente no azeite, o ovo cozido espera a sua vez e a
saladeira aguarda na mesa junto aos azulejos brancos.
ela procura os talheres de madeira na gaveta,
pede-me qualquer coisa, a lâmina reluz sobre a tábua, perto do pão.
a preparação da salada requer vários gestos precisos

e uma poética discreta nos brilhos frisados, nos
paladares. pela janela chegam os ruídos da rua,
campainhas de bicicleta, ressaltos de uma bola.
o cão dormita no sofá. uns versos populares comparam
os olhos dela a azeitonas pretas.

Em: “A furiosa paixão pelo tangível” (1987)

Servente na Cozinha
(David Teniers, o Jovem: artista flamengo)

Referência:

MOURA, Vasco Graça. presente do indicativo. In: COSTA E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (Organização e Introdução). Antologia da poesia portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro, RJ: Lacerda Editores, 1999. p. 366.

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