A insatisfação em ser aquilo que se é.
Se se é pequeno, o desejo é ser grande. Caso já se seja grande, a pretensão é
ser maior ainda. E se atingido o tamanho da grandeza absoluta, volta-se ao
ponto inicial, desejando-se o ‘status minimorum’, num ciclo sem fim.
O soneto de Machado recordou-me a letra
de “Quereres”, do álbum de 1984, do compositor Caetano Veloso: nunca estamos em
paz com o estado das coisas. “Eu te quero – e não queres – como sou / Não te
quero – e não queres – como és / (...) Ah! Bruta flor do querer / Ah! Bruta
flor, bruta flor”.
J.A.R. – H.C.
Machado de Assis
(1839-1908)
Círculo Vicioso
Bailando no ar, gemia
inquieto vaga-lume:
– “Quem me dera que
fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno
azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela,
fitando a lua, com ciúme:
– “Pudesse eu copiar
o transparente lume,
Que, da grega coluna à
gótica janela,
Contemplou,
suspirosa, a fronte amada e bela!”
Mas a lua, fitando o
sol, com azedume:
– “Mísera! tivesse eu
aquela enorme, aquela
Claridade imortal,
que toda a luz resume!”
Mas o sol, inclinando
a rútila capela:
– “Pesa-me esta
brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e
desmedida umbela...
Porque não nasci eu
um simples vaga-lume? »
Em: “Ocidentais”
(1880)
Quereres: Caetano
Veloso
Velô (1984)
Referência:
ASSIS, Machado de. Círculo vicioso. In:
__________. Poesias completas. 1.ed. Rio de Janeiro, RJ: H. Garnier, Livreiro-Editor,
1901. p. 292.
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