Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Li-Young Lee - Esta Hora e o que Está Morto

A qualidade enigmática da existência, ou quem sabe?, da não-existência – como, por exemplo, a morte – fica muito bem enquanto tema do poema abaixo, carregado de perguntas não respondidas e de reflexões sobre a perda de entes queridos.

Encontra-se o poeta no reino da imaginação, ruminando coisas sobre acontecimentos envolvendo o irmão e o pai, já falecidos, na calada da noite. Como numa história de fantasmas, em que os fatos ocorrem até a cena final aterradora: neste caso, encerra-se a narrativa com a imagem assombrosa de Deus, metaforizado numa fornalha, com a sua boca cheia de dentes, aberta e faminta...

J.A.R. – H.C.

Li-Young Lee
(n. 1957)

This Hour and What Is Dead

Tonight my brother, in heavy boots, is walking
through bare rooms over my head,
opening and closing doors.
What could he be looking for in an empty house?
What could he possibly need there in heaven?
Does he remember his earth, his birthplace set to torches?
His love for me feels like spilled water
running back to its vessel.

At this hour, what is dead is restless
and what is living is burning.

Someone tell him he should sleep now.

My father keeps a light on by our bed
and readies for our journey.
He mends ten holes in the knees
of five pairs of boy’s pants.
His love for me is like his sewing:
various colors and too much thread,
the stitching uneven. But the needle pierces
clean through with each stroke of his hand.

At this hour, what is dead is worried
and what is living is fugitive.

Someone tell him he should sleep now.

God, that old furnace, keeps talking
with his mouth of teeth,
a beard stained at feasts, and his breath
of gasoline, airplane, human ash.
His love for me feels like fire,
feels like doves, feels like river-water.

At this hour, what is dead is helpless, kind
and helpless. While the Lord lives.

Someone tell the Lord to leave me alone.
I’ve had enough of his love
that feels like burning and flight and running away.

O Alforje do Falcoeiro
(Jan Weenix: pintor holandês)

Esta Hora e o que Está Morto

Esta noite meu irmão, com pesadas botas, está passeando
ao longo de quartos vazios sobre a minha cabeça,
abrindo e fechando portas.
O que poderia ele buscar numa casa vazia?
Do que precisaria lá no céu?
Acaso se lembra de sua terra, o lugar natal em chamas?
Sente-se o seu amor por mim como água derramada
a retornar para a vasilha.

A esta hora, o que se acha morto está inquieto
e o que vivo está se abrasa.

Que alguém lhe diga que agora deveria dormir.

Meu pai mantém uma luz acesa sobre a nossa cama
e se apronta para a nossa viagem.
Ele remenda dez furos que há na região dos joelhos
de cinco pares de calças para guri.
Seu amor por mim é como a sua costura:
várias cores e muito fio,
irregular a cosedura. Mas a cada movimento de sua mão
a agulha trespassa perfeitamente.

A esta hora, o que se acha morto está preocupado
e o que vivo está se esquiva.

Que alguém lhe diga que agora deveria dormir.

Deus, essa velha fornalha que segue falando
com sua boca cheia de dentes,
uma barba manchada pelas festas, e seu hálito
de gasolina, avião, cinza humana.
Seu amor por mim se sente como fogo,
como pombas, como água de rio.

A esta hora o que se acha morto está desamparado, amável
e desamparado. Enquanto o Senhor vive.

Que alguém diga ao Senhor que me deixe em paz.
Já tive o suficiente de seu amor
que se sente como queimação e voo e fuga.

Referência:

LEE, Li-Young. This hour and what is dead. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american ‎‎poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House ‎‎Inc.), march 2003. p. 582-583.

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