A qualidade enigmática da existência,
ou quem sabe?, da não-existência – como, por exemplo, a morte – fica muito bem
enquanto tema do poema abaixo, carregado de perguntas não respondidas e de
reflexões sobre a perda de entes queridos.
Encontra-se o poeta no reino da
imaginação, ruminando coisas sobre acontecimentos envolvendo o irmão e o pai,
já falecidos, na calada da noite. Como numa história de fantasmas, em que os
fatos ocorrem até a cena final aterradora: neste caso, encerra-se a narrativa
com a imagem assombrosa de Deus, metaforizado numa fornalha, com a sua boca
cheia de dentes, aberta e faminta...
J.A.R. – H.C.
Li-Young Lee
(n. 1957)
This Hour and What Is
Dead
Tonight my brother,
in heavy boots, is walking
through bare rooms
over my head,
opening and closing
doors.
What could he be looking
for in an empty house?
What could he
possibly need there in heaven?
Does he remember his
earth, his birthplace set to torches?
His love for me feels
like spilled water
running back to its
vessel.
At this hour, what is
dead is restless
and what is living is
burning.
Someone tell him he
should sleep now.
My father keeps a
light on by our bed
and readies for our
journey.
He mends ten holes in
the knees
of five pairs of boy’s
pants.
His love for me is
like his sewing:
various colors and
too much thread,
the stitching uneven.
But the needle pierces
clean through with
each stroke of his hand.
At this hour, what is
dead is worried
and what is living is
fugitive.
Someone tell him he
should sleep now.
God, that old
furnace, keeps talking
with his mouth of
teeth,
a beard stained at
feasts, and his breath
of gasoline,
airplane, human ash.
His love for me feels
like fire,
feels like doves,
feels like river-water.
At this hour, what is
dead is helpless, kind
and helpless. While
the Lord lives.
Someone tell the Lord
to leave me alone.
I’ve had enough of
his love
that feels like
burning and flight and running away.
O Alforje do
Falcoeiro
(Jan Weenix: pintor
holandês)
Esta Hora e o que
Está Morto
Esta noite meu irmão,
com pesadas botas, está passeando
ao longo de quartos
vazios sobre a minha cabeça,
abrindo e fechando
portas.
O que poderia ele
buscar numa casa vazia?
Do que precisaria lá
no céu?
Acaso se lembra de
sua terra, o lugar natal em chamas?
Sente-se o seu amor
por mim como água derramada
a retornar para a vasilha.
A esta hora, o que se
acha morto está inquieto
e o que vivo está se
abrasa.
Que alguém lhe diga
que agora deveria dormir.
Meu pai mantém uma
luz acesa sobre a nossa cama
e se apronta para a
nossa viagem.
Ele remenda dez furos
que há na região dos joelhos
de cinco pares de
calças para guri.
Seu amor por mim é
como a sua costura:
várias cores e muito
fio,
irregular a cosedura.
Mas a cada movimento de sua mão
a agulha trespassa
perfeitamente.
A esta hora, o que se
acha morto está preocupado
e o que vivo está se
esquiva.
Que alguém lhe diga
que agora deveria dormir.
Deus, essa velha
fornalha que segue falando
com sua boca cheia de
dentes,
uma barba manchada
pelas festas, e seu hálito
de gasolina, avião,
cinza humana.
Seu amor por mim se
sente como fogo,
como pombas, como
água de rio.
A esta hora o que se
acha morto está desamparado, amável
e desamparado. Enquanto
o Senhor vive.
Que alguém diga ao
Senhor que me deixe em paz.
Já tive o suficiente
de seu amor
que se sente como queimação
e voo e fuga.
Referência:
LEE, Li-Young. This hour and what is
dead. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american poetry. 2nd ed. New York,
NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p.
582-583.
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