O poeta pernambucano associa a cada sujeito
a forma como pontua a própria vida: se há inúmeros pontos de exclamação, temos
à nossa frente uma alma dionisíaca; se pontos de interrogação, antes um
filósofo, mas agora um poeta; se a pontuação titubeia entre vírgulas e ausência
de sinais, deparamo-nos com um político; e assim por diante...
Contudo, o emprego do ponto final não é
bem aceito por ninguém, haja vista que é a inflexão capaz de dar termo a
qualquer experiência de diferenciação em nossas vidas sobre a terra, de transformá-la
em um ensaio válido ou não.
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo
Neto
(1920-1999)
Questão de Pontuação
Todo mundo aceita que
ao homem
cabe pontuar a
própria vida:
que viva em ponto de
exclamação
(dizem: tem alma
dionisíaca);
viva em ponto de
interrogação
(foi filosofia, ora é
poesia);
viva equilibrando-se
entre vírgulas
e sem pontuação (na
política):
o homem só não aceita
do homem
que use a só
pontuação fatal:
que use, na frase que
ele vive
o inevitável ponto
final.
Leitor da Natureza
(Vladimir Kush:
artista russo)
Referência:
MELO NETO, João Cabral de. Questão de
pontuação. In: __________. Agrestes: poesia (1981-1985). A “indesejada
das gentes”. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1985. p. 146. (“Poesia
Brasileira”)
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