O autor remonta à narrativa que se
costuma associar aos tempos homéricos, quando os rapsodos, recitadores
profissionais de poesias na Grécia antiga, iam de cidade em cidade, a declamar
suas épicas histórias.
Mas se Daniel vai à noite dos tempos
para de lá arrancar o seu relato, que ora diz se passar em Lizzey – um domínio
que me parece conjecturado –, é para nos alertar sobre a sina cruel em que pode
se enredar esse que é um vidente sem luzes, digo melhor, cego: o poeta.
J.A.R. – H.C.
Claudio Daniel
(n. 1962)
A Arte da Poesia
Os poetas em Lizzey
são todos cegos.
Caminham apoiados em
bengalas em
forma de serpente e
são guiados por
cães que lhes mordem
as pernas e
depois lambem as
feridas. Ninguém
pode tocá-los, nem
mesmo ficar à sua
sombra ou
dirigir-lhes a palavra sem
sujar-se. Eles se
arrastam pelas ruas
declamando seus
romances, cuspindo
as sílabas entre
caretas de suas bocas
tortas. Quando um
poeta consegue
causar êxtase à
multidão, às vezes pela
pronúncia de uma
única palavra, todos
se calam e ficam como
sonâmbulos.
Depois, como
recompensa, os habi-
tantes de Lizzey
juntam paus e pedras
e apedrejam o
rapsodo. O seu corpo,
então, é disputado
com avidez pelas
feras, que nada sabem
de poesia.
Homero na ilha de
Skyros
(Diogene U. N.
Maillart: pintor francês)
Referência:
DANIEL, Claudio. A arte da poesia. In:
ASCHER, Nelson et al. Poetas na biblioteca: antologia. São Paulo, SP:
Fundação Memorial da América Latina, 2001. p. 75.
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