Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 2 de maio de 2017

Claudio Daniel - A Arte da Poesia ‎

O autor remonta à narrativa que se costuma associar aos tempos homéricos, quando os rapsodos, recitadores profissionais de poesias na Grécia antiga, iam de cidade em cidade, a declamar suas épicas histórias.

Mas se Daniel vai à noite dos tempos para de lá arrancar o seu relato, que ora diz se passar em Lizzey – um domínio que me parece conjecturado –, é para nos alertar sobre a sina cruel em que pode se enredar esse que é um vidente sem luzes, digo melhor, cego: o poeta.

J.A.R. – H.C.

Claudio Daniel
(n. 1962)

A Arte da Poesia

Os poetas em Lizzey são todos cegos.
Caminham apoiados em bengalas em
forma de serpente e são guiados por
cães que lhes mordem as pernas e
depois lambem as feridas. Ninguém
pode tocá-los, nem mesmo ficar à sua
sombra ou dirigir-lhes a palavra sem
sujar-se. Eles se arrastam pelas ruas
declamando seus romances, cuspindo
as sílabas entre caretas de suas bocas
tortas. Quando um poeta consegue
causar êxtase à multidão, às vezes pela
pronúncia de uma única palavra, todos
se calam e ficam como sonâmbulos.
Depois, como recompensa, os habi-
tantes de Lizzey juntam paus e pedras
e apedrejam o rapsodo. O seu corpo,
então, é disputado com avidez pelas
feras, que nada sabem de poesia.

Homero na ilha de Skyros
(Diogene U. N. Maillart: pintor francês)

Referência:

DANIEL, Claudio. A arte da poesia. In: ASCHER, Nelson et al. Poetas na biblioteca: antologia. São Paulo, SP: Fundação Memorial da América Latina, 2001. p. 75.

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