Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Heberto Padilla - Em Tempos Difíceis

O poeta cubano desdenha do discurso oficial acerca das medidas que os governos adotam, ao argumento de que os “tempos são difíceis”, mas que, de fato, não passam de um modo para cercear a liberdade ou avançar sobre os bens ou a renda de seus compatrícios.

Você quer um exemplo: esse mar de propaganda do governo federal pátrio, fornecendo muito dinheiro à mídia golpista que o apoiou, sobre a mais do que necessária reforma da “previdência social”, quando o que, de fato, se observa nos números é um déficit na “seguridade social”!

J.A.R. – H.C.

Heberto Padilla
(1932-2000)

En Tiempos Difíciles

A aquel hombre le pidieron su tiempo
para que lo juntara al tiempo de la Historia.
Le pidieron las manos,
porque para una época difícil
nada hay mejor que un par de buenas manos.
Le pidieron los ojos
que alguna vez tuvieron lágrimas
para que contemplara el lado claro
(especialmente el lado claro de la vida)
porque para el horror basta un ojo de asombro.
Le pidieron sus labios
resecos y cuarteados para afirmar,
para erigir, con cada afirmación, un sueño
(el-alto-sueño);
le pidieron las piernas,
duras y nudosas,
(sus viejas piernas andariegas)
porque en tiempos difíciles
¿algo hay mejor que un par de piernas
para la construcción o la trinchera?
Le pidieron el bosque que lo nutrió de niño,
con su árbol obediente.
Le pidieron el pecho, el corazón, los hombros.
Le dijeron
que eso era estrictamente necesario.
Le explicaron después
que toda esta donación resultaría inútil
sin entregar la lengua,
porque en tiempos difíciles
nada es tan útil para atajar el odio o la mentira.
Y finalmente le rogaron
que, por favor, echase a andar,
porque en tiempos difíciles
ésta es, sin duda, la prueba decisiva.

Ancião Crepuscular
(Salvador Dalí: artista espanhol)

Em Tempos Difíceis

Pediram àquele homem seu tempo,
para que o juntasse ao tempo da história;
pediram-lhe suas mãos,
pois para uma época difícil
não há nada melhor que um par de boas mãos.
Pediram-lhe os olhos
que outrora tiveram lágrimas
para que contemplasse o lado claro,
(especialmente o lado claro da vida),
pois para o horror basta um olho de assombro.
Pediram-lhe seus lábios 
ressecados e rachados para afirmar,
para edificar, com cada afirmação, um sonho
(o-alto-sonho);
pediram-lhe as pernas
duras e nodosas
(suas velhas pernas andarilhas),
pois, em tempos difíceis,
há algo melhor que um par de pernas
para a construção ou para a trincheira?
Pediram-lhe o bosque que o nutriu quando criança,
com sua árvore obediente.
Pediram-lhe o peito, o coração, os ombros.
Disseram-lhe
que isso era estritamente necessário.
Explicaram-lhe depois
que tudo o que doara seria inútil
sem que entregasse a língua,
pois em tempos difíceis
nada é tão útil para interceptar o ódio ou a mentira.
E finalmente lhe rogaram
que, por favor, começasse a andar,
pois em tempos difíceis
esta é, sem dúvida, a prova decisiva.

Referência:

PADILLA, Heberto. En tiempos difíciles / Em tempos difíceis. Tradução de Nelson Ascher. In: ASCHER, Nelson (Tradução e Organização). Poesia alheia: 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1998. Em espanhol: p. 242 e 244; em português: p. 243 e 245. (Coleção “Lazuli”)

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