O autor em epígrafe, além de renomado
tradutor, é também, como o seu falecido irmão Haroldo de Campos, um grande
poeta. O poema abaixo é um bom exemplar de sua verve criativa, a começar pelo arranjo
do título, direcionado ao tratamento curativo de todos os males da alma mediante
a configuração tradicional do soneto, por ele perfilhado com toda a liberdade e
inventividade do pendor concretista.
Aliás, Augusto de Campos é também uma
grande reserva ética, neste país tão carente desse mister. Veja-se como ele se
posicionou ante as manifestações acintosas do também poeta Ferreira Gullar –
recentemente falecido –, em relação às suas orientações políticas, muito
distintas das veiculadas pela velhacaria da ABL, onde subsistem figuras como Fernando Henrique
Cardoso e Merval Pereira, que fariam Machado de Assis revirar no túmulo (extraído
do site da FSP):
Para piorar, o Acadêmico Ferreira
Gullar acena-me com um prêmio de R$ 300 mil da Academia Brasileira de Letras,
que eu deixaria de levar, apesar do seu “placet”, por ter criticado a entidade.
Ora, somos mesmo pessoas completamente diferentes. Como somos poetas diferentes.
Isso, sim, é um insulto. Jamais aceitaria qualquer prêmio, de que valor fosse,
vindo dessa instituição, que considero inútil, caduca e até nociva, pelo mau
exemplo que dá a cultura brasileira, acolhendo gente que nada tem a ver com
literatura – velhos políticos, governantes, empresários e jornalistas
conservadores – uma confraria de mediocridades que se chamam despudoradamente
de “imortais”, envergando fardões, espadas, colares e medalhas. Com
raríssimas exceções.
Nego-lhes autoridade
para conferir prêmios e prebendas. E encerro com as palavras de um poema
instrutivo e fácil de entender: NÃO ME VENDO / NÃO SE VENDA / NÃO SE VENDE.
J.A.R. – H.C.
Augusto de Campos
(n. 1931)
Soneterapia
“desta vez acabo a
obra” (*)
gregório de matos
drummond perdeu a pedra:
é drummundano
joão cabral entrou
pra academia
custou mas
descobriram que caetano
era o poeta (como eu
já dizia )
o concretismo é frio
e desumano
dizem todos (tirando
uma fatia)
e enquanto nós
entramos pelo cano
os humanos entregam a
poesia
na geleia geral da
nossa história
sousândrade kilkerry
oswald vaiados (**)
estão comendo as
pedras da vitória
quem não se comunica
dá a dica:
tó pra vocês chupins
desmemoriados
só o incomunicável
comunica
A Ascensão do
Espírito
(Vladimir Kush:
artista russo)
Notas:
(*) Primeiro verso da “Dedicatória Extravagante
que o Poeta Faz Destas Obras ao Mesmo Governador Satirizado”, de Gregório de
Matos Guerra;
(**) Joaquim de Sousândrade
(1833/1902), poeta romântico, autor de “O Guesa”, Pedro Kilkerry (1885/1917), poeta
simbolista baiano e Oswald de Andrade são autores divulgados e revistos
criticamente pelos concretistas, após longo silêncio e esquecimento sobre suas
obras. (Obs.: nota originária dos organizadores da obra mencionada no campo de referência).
Referência:
CAMPOS, Augusto de. Soneterapia. In:
SIMON, Iumna Maria; DANTAS, Vinicius de Ávila (Seleção, notas, estudos e exercícios). Poesia
concreta. São Paulo, SP: Abril Educação, 1982. p. 93. (“Literatura
Comentada”)
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