Em poema que coloca em confronto
aspectos concernentes à fantasia e à realidade, Bishop nos faz refletir sobre
como uma visão da natureza pode ser tão surpreendentemente bela e, ao mesmo
tempo, ameaçadora à vida.
Mas as palavras da poetisa são capazes
de levar o leitor a inúmeras interpretações. Vai aqui uma bastante plausível: o
iceberg seria como que a representação de toda aquela porção esfíngica submersa
na alma humana, que um dia se manifesta e se torna um ostensivo devaneio ou
sonho a submeter o espírito, relegando a um segundo plano a rota do navio de
nossas vidas.
Essa glosa bem pode ser uma “viagem”
sem sentido. Afinal, mesmo uma leitura literal do poema não é descartável. De
todo modo, resta indiscutível que um “iceberg imaginário” – enquanto simples
exercício conjectural de Elizabeth – despertou-lhe algo no espírito,
seduzindo-lhe a alma.
J.A.R. – H.C.
Elizabeth Bishop
(1911-1979)
The Imaginary Iceberg
We’d rather have the
iceberg than the ship,
although it meant the
end of travel.
Although it stood
stock-still like cloudy rock
and all the sea were
moving marble.
We’d rather have the
iceberg than the ship;
we’d rather own this
breathing plain of snow
though the ship’s
sails were laid upon the sea
as the snow lies
undissolved upon the water.
O solemn, floating
field,
are you aware an
iceberg takes repose
with you, and when it
wakes may pasture on your snows?
This is a scene a
sailor’d give his eyes for.
The ship’s ignored.
The iceberg rises
and sinks again; its
glassy pinnacles
correct elliptics in
the sky.
This is a scene where
he who treads the boards
is artlessly
rhetorical. The curtain
is light enough to
rise on finest ropes
that airy twists of
snow provide.
The wits of these
white peaks
spar with the sun.
Its weight the iceberg dares
upon a shifting stage
and stands and stares.
This iceberg cuts its
facets from within.
Like jewelry from a
grave
it saves itself
perpetually and adorns
only itself, perhaps
the snows
which so surprise us
lying on the sea.
Good-bye, we say,
good-bye, the ship steers off
where waves give in
to one another’s waves
and clouds run in a
warmer sky.
Icebergs behoove the
soul
(both being self-made
from elements least visible)
to see them so:
fleshed, fair, erected indivisible.
Os Icebergs
(Frederic Edwin
Church: pintor norte-americano)
O Iceberg Imaginário
O iceberg nos atrai
mais que o navio,
mesmo acabando com a
viagem.
Mesmo pairando
imóvel, nuvem pétrea,
e o mar um mármore
revolto.
O iceberg nos atrai
mais que o navio:
queremos esse chão
vivo de neve,
mesmo com as velas do
navio tombadas
qual neve indissoluta
sobre a água.
Ó calmo campo
flutuante,
sabes que um iceberg
dorme em ti, e em breve
vai despertar e
talvez pastar na tua neve?
Esta cena um marujo
daria os olhos
pra ver. Esquece-se o
navio. O iceberg
sobe e desce; seus
píncaros de vidro
corrigem elípticas no
céu.
Este cenário empresta
a quem o pisa
uma retórica fácil. O
pano leve
é levantado por
cordas finíssimas
de aéreas espirais de
neve.
Duelo de argúcia
entre as alvas agulhas
e o sol. O seu peso o
iceberg enfrenta
no palco instável e
incerto onde se assenta.
É por dentro que o
iceberg se faceta.
Tal como joias numa
tumba
ele se salva para
sempre, e adorna
só a si, talvez
também as neves
que nos assombram
tanto sobre o mar.
Adeus, adeus,
dizemos, e o navio
segue viagem, e as
ondas se sucedem,
e as nuvens buscam um
céu mais quente.
O iceberg seduz a
alma
(pois os dois se
inventam do quase invisível)
a vê-lo assim:
concreto, ereto, indivisível.
Referência:
BISHOP, Elizaberth. The imaginary
iceberg / O iceberg imaginário. Tradução de Paulo Henriques Britto. In:
__________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e
textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo,
SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 74 e 76; em português: p. 75 e 77.
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