Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 20 de maio de 2017

Elizabeth Bishop - O Iceberg Imaginário

Em poema que coloca em confronto aspectos concernentes à fantasia e à realidade, Bishop nos faz refletir sobre como uma visão da natureza pode ser tão surpreendentemente bela e, ao mesmo tempo, ameaçadora à vida.

Mas as palavras da poetisa são capazes de levar o leitor a inúmeras interpretações. Vai aqui uma bastante plausível: o iceberg seria como que a representação de toda aquela porção esfíngica submersa na alma humana, que um dia se manifesta e se torna um ostensivo devaneio ou sonho a submeter o espírito, relegando a um segundo plano a rota do navio de nossas vidas.

Essa glosa bem pode ser uma “viagem” sem sentido. Afinal, mesmo uma leitura literal do poema não é descartável. De todo modo, resta indiscutível que um “iceberg imaginário” – enquanto simples exercício conjectural de Elizabeth – despertou-lhe algo no espírito, seduzindo-lhe a alma.

J.A.R. – H.C.

Elizabeth Bishop
(1911-1979)

The Imaginary Iceberg

We’d rather have the iceberg than the ship,
although it meant the end of travel.
Although it stood stock-still like cloudy rock
and all the sea were moving marble.
We’d rather have the iceberg than the ship;
we’d rather own this breathing plain of snow
though the ship’s sails were laid upon the sea
as the snow lies undissolved upon the water.
O solemn, floating field,
are you aware an iceberg takes repose
with you, and when it wakes may pasture on your snows?

This is a scene a sailor’d give his eyes for.
The ship’s ignored. The iceberg rises
and sinks again; its glassy pinnacles
correct elliptics in the sky.
This is a scene where he who treads the boards
is artlessly rhetorical. The curtain
is light enough to rise on finest ropes
that airy twists of snow provide.
The wits of these white peaks
spar with the sun. Its weight the iceberg dares
upon a shifting stage and stands and stares.

This iceberg cuts its facets from within.
Like jewelry from a grave
it saves itself perpetually and adorns
only itself, perhaps the snows
which so surprise us lying on the sea.
Good-bye, we say, good-bye, the ship steers off
where waves give in to one another’s waves
and clouds run in a warmer sky.
Icebergs behoove the soul
(both being self-made from elements least visible)
to see them so: fleshed, fair, erected indivisible.

Os Icebergs
(Frederic Edwin Church: pintor norte-americano)

O Iceberg Imaginário

O iceberg nos atrai mais que o navio,
mesmo acabando com a viagem.
Mesmo pairando imóvel, nuvem pétrea,
e o mar um mármore revolto.
O iceberg nos atrai mais que o navio:
queremos esse chão vivo de neve,
mesmo com as velas do navio tombadas
qual neve indissoluta sobre a água.
Ó calmo campo flutuante,
sabes que um iceberg dorme em ti, e em breve
vai despertar e talvez pastar na tua neve?

Esta cena um marujo daria os olhos
pra ver. Esquece-se o navio. O iceberg
sobe e desce; seus píncaros de vidro
corrigem elípticas no céu.
Este cenário empresta a quem o pisa
uma retórica fácil. O pano leve
é levantado por cordas finíssimas
de aéreas espirais de neve.
Duelo de argúcia entre as alvas agulhas
e o sol. O seu peso o iceberg enfrenta
no palco instável e incerto onde se assenta.

É por dentro que o iceberg se faceta.
Tal como joias numa tumba
ele se salva para sempre, e adorna
só a si, talvez também as neves
que nos assombram tanto sobre o mar.
Adeus, adeus, dizemos, e o navio
segue viagem, e as ondas se sucedem,
e as nuvens buscam um céu mais quente.
O iceberg seduz a alma
(pois os dois se inventam do quase invisível)
a vê-lo assim: concreto, ereto, indivisível.

Referência:

BISHOP, Elizaberth. The imaginary iceberg / O iceberg imaginário. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 74 e 76; em português: p. 75 e 77.

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