Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 11 de maio de 2017

François Villon - Balada das contraverdades

O poeta francês do medievo traz-nos divertimento com um catálogo de expressões com a fórmula “não ‘a’ mas ‘b’”, implacavelmente reiterada em toda a balada, deixando transparecer que o seu denominador comum não é uma noção capaz de solucionar os paradoxos lançados, senão uma estrutura lógica que deles mais se acerca, em vez de elidir as desconcertantes contradições.

Verdades não se firmam em algumas expressões, mas apenas o gracioso, como na máxima “Não se gera mais do que nos banhos”. Afinal, seria divertido, embora não impossível, se alguma garota afirmasse que concebeu em razão do esperma difundido na água da banheira (rs).

Gracejo sobre o gracejo: o tradutor alerta que o verso alude às casas de banho da época, que, por vezes, faziam as vezes de bordéis, em uma época na qual os contraceptivos não eram tão eficazes como os de hoje em dia.

J.A.R. – H.C.

François Villon
(1431-1463)

Ballade des contre-vérités

Il n’est soin que quand on a faim
Ne service que d’ennemi,
Ne mâcher qu’un botel de fain,
Ne fort guet que d’homme endormi,
Ne clémence que félonie,
N’assurance que de peureux,
Ne foi que d’homme qui renie,
Ne bien conseillé qu’amoureux.

Il n’est engendrement qu’en boin
Ne bon bruit que d’homme banni,
Ne ris qu’après un coup de poing,
Ne lotz que dettes mettre en ni,
Ne vraie amour qu’en flatterie,
N’encontre que de malheureux,
Ne vrai rapport que menterie,
Ne bien conseillé qu’amoureux.

Ne tel repos que vivre en soin,
N’honneur porter que dire: “Fi!”,
Ne soi vanter que de faux coin,
Ne santé que d’homme bouffi,
Ne haut vouloir que couardie,
Ne conseil que de furieux,
Ne douceur qu’en femme étourdie,
Ne bien conseillé qu’amoureux.

Voulez-vous que verté vous dire?
Il n’est jouer qu’en maladie,
Lettre vraie qu’en tragédie,
Lâche homme que chevalereux,
Orrible son que mélodie,
Ne bien conseillé qu’amoureux.

Vista de Boston a partir de North Point Park
(Christopher Chippendale: pintor norte-americano)

Balada das contraverdades

Não há desvelos senão com a fome,
Nem favores que os de inimigos,
Nem mais gosto a quem o feno come,
Nem vigília que o sono amigo,
Nem clemência que a felonia,
Nem firmeza que a dos medrosos,
Nem mais fé que na apostasia,
Nem mais juízo que em amorosos.

Não se gera mais do que nos banhos, (*)
Nem há mais renome que em bandidos,
Nem ri-se mais do que quem apanha
Nem mais honra que negar o devido,
Nem amor que na lisonjeria,
Nem encontro que o de inditosos,
Nem bons laços que na hipocrisia,
Nem mais juízo que em amorosos.

Não há mais paz que a do fadário,
Nem mais louvor que dizer: “Fora!”
Nem vanglória que a do falsário,
Nem saúde que na descora,
Nem audácia que em covardia,
Nem bom senso que em furiosos,
Nem dulçor que em mulher bravia,
Nem mais juízo que em amorosos.

Verdade quereis que vos diga?
Isto: o prazer só na anemia,
Lição veraz só a lenda abriga,
Langor não há mais que em valorosos,
O horrível som que em melodia,
Nem mais juízo que em amorosos.

Nota do Tradutor:

(*) Alusão às casas públicas de banho, que muitas vezes eram disfarces para os “festoyements avec femmes” (“festins com as mulheres”) (cf. Thuasne).

Referência:

VILLON, François. Ballade des contre-vérités / Balada das contraverdades. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. In: __________. Poesia. Tradução, organização e notas de Sebastião Uchoa Leite. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Edusp, 2000. Em francês: p. 320 e 322; em português: p. 321 e 323.

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