Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 24 de setembro de 2016

Vinicius de Moraes - A Vida Vivida

Como afirma Drummond no poema da postagem anterior, há um momento de tristeza em cada criador, quer seja ele o Eterno quer seja, v.g., o poeta, que, com suas palavras, busca externar ao conhecimento de todos, aquilo que lhe vai no interno, muitas vezes de difícil expressão por meio da linguagem.

Não fosse de tal modo, como interpretar a passagem do poema abaixo em que Vinicius afirma a perquirir: “O que sou eu senão Ele, o Deus em sofrimento”?! Afinal, para se fazer algo com beleza, ele próprio já afirmara alhures que é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um... samba, não!

J.A.R. – H.C.

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

A Vida Vivida

Quem sou eu senão um grande sonho obscuro em face do Sonho
Senão uma grande angústia obscura em face da Angústia
Quem sou eu senão a imponderável árvore dentro da noite imóvel
E cujas presas remontam ao mais triste fundo da terra?

De que venho senão da eterna caminhada de uma sombra
Que se destrói à presença das fortes claridades
Mas em cujo rastro indelével repousa a face do mistério
E cuja forma é prodigiosa treva informe?

Que destino é o meu senão o de assistir ao meu Destino
Rio que sou em busca do mar que me apavora
Alma que sou clamando o desfalecimento
Carne que sou no âmago inútil da prece?

O que é a mulher em mim senão o Túmulo
O branco marco da minha rota peregrina
Aquela em cujos braços vou caminhando para a morte
Mas em cujos braços somente tenho vida?

O que é o meu Amor, ai de mim! senão a luz impossível
Senão a estrela parada num oceano de melancolia
O que me diz ele senão que é vã toda a palavra
Que não repousa no seio trágico do abismo?

O que é o meu Amor? senão o meu desejo iluminado
O meu infinito desejo de ser o que sou acima de mim mesmo
O meu eterno partir da minha vontade enorme de ficar
Peregrino, peregrino de um instante, peregrino de todos os instantes?

A quem respondo senão a ecos, a soluços, a lamentos
De vozes que morrem no fundo do meu prazer ou do meu tédio
A quem falo senão a multidões de símbolos errantes
Cuja tragédia efêmera nenhum espírito imagina?

Qual é o meu ideal senão fazer do céu poderoso a Língua
Da nuvem a Palavra imortal cheia de segredo
E do fundo do inferno delirantemente proclamá-los
Em Poesia que se derrame como sol ou como chuva?

O que é o meu ideal senão o Supremo Impossível
Aquele que é, só ele, o meu cuidado e o meu anelo
O que é ele em mim senão o meu desejo de encontrá-lo
E o encontrando, o meu medo de não o reconhecer?

O que sou eu senão Ele, o Deus em sofrimento
O temor imperceptível na voz portentosa do vento
O bater invisível de um coração no descampado...
O que sou eu senão Eu Mesmo em face de mim?

Rio de Janeiro (1938)

Triunfo de Galateia
(Andrea Casali: pintor italiano)

Referência:

MORAES, Vinicius de. A vida vivida. In: __________. Antologia poética. 14. Reimpressão. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1992. p. 53-54.

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