Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 25 de setembro de 2016

Alberto de Lacerda - To Night

O poeta nos revela que esta noite será uma daquelas em que ele se comportará horrivelmente, para ver se pode haver beleza ante o pavoroso e o atroz: espera-se que sua esquadra perca os sentidos com tanto álcool à disposição!

Não haverá mais poemas por ele escritos, tampouco cartas de amor – pois já se disse que são todas ridículas! –, senão apenas poemas chineses muito simples (seriam haicais?!), insuportáveis de tão belos. E mais: o poeta descaracterizará quaisquer rotas que convirjam em sua direção, pois já não espera que alguém entre inopinadamente em sua vida! Indiscutivelmente, será uma noite para não se esquecer!

J.A.R. – H.C.

Alberto de Lacerda
(1928-2007)

To Night

Esta noite vou embebedar os meus navios
Rasgar os meus poemas
E as minhas raras (raríssimas)
Cartas de amor

Esta noite vou ser horrível
Pior do que o costume
Vou desabobadar os céus da minha esperança
Viga por viga estrela por estrela

Esta noite vou embebedar os meus navios
Vou deixar de falar a imensa gente
Vou encontrar um sábio chinês
Que me recitará poemas muito simples
Insuportáveis de tão belos

Esta noite vou destruir mapas antigos
Abrir certas janelas e quebrar
A possibilidade de alguém mais entrar na minha vida

Esta noite vou pedir perdão aos meus amigos
E escrever uma última carta sem a mínima sombra de
sentimentalismo

Esta noite vou embebedar os meus navios

De: “Palácio” (1961)

A Balsa da Medusa
(Théodore Géricault: pintor francês)

Referência:

LACERDA, Alberto de. To night. In: COSTA E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (Organização e Introdução). Antologia da poesia portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro, RJ: Lacerda Editores, 1999. p. 197-198.

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