O poeta nos revela que esta noite será uma daquelas em que ele se
comportará horrivelmente, para ver se pode haver beleza ante o pavoroso e o
atroz: espera-se que sua esquadra perca os sentidos com tanto álcool à disposição!
Não haverá mais poemas por ele escritos, tampouco cartas de amor – pois
já se disse que são todas ridículas! –, senão apenas poemas chineses muito
simples (seriam haicais?!), insuportáveis de tão belos. E mais: o poeta
descaracterizará quaisquer rotas que convirjam em sua direção, pois já não
espera que alguém entre inopinadamente em sua vida! Indiscutivelmente, será uma
noite para não se esquecer!
J.A.R. – H.C.
Alberto de Lacerda
(1928-2007)
To Night
Esta noite vou
embebedar os meus navios
Rasgar os meus poemas
E as minhas raras
(raríssimas)
Cartas de amor
Esta noite vou ser
horrível
Pior do que o costume
Vou desabobadar os
céus da minha esperança
Viga por viga estrela
por estrela
Esta noite vou
embebedar os meus navios
Vou deixar de falar a
imensa gente
Vou encontrar um
sábio chinês
Que me recitará
poemas muito simples
Insuportáveis de tão
belos
Esta noite vou
destruir mapas antigos
Abrir certas janelas
e quebrar
A possibilidade de alguém
mais entrar na minha vida
Esta noite vou pedir
perdão aos meus amigos
E escrever uma última
carta sem a mínima sombra de
sentimentalismo
Esta noite vou embebedar
os meus navios
De: “Palácio” (1961)
A Balsa da Medusa
(Théodore Géricault:
pintor francês)
Referência:
LACERDA, Alberto de. To night. In: COSTA
E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (Organização e Introdução). Antologia da poesia portuguesa
contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro, RJ: Lacerda Editores, 1999. p.
197-198.
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