Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Michel Quoist - Liberdade para Fulano

Eis uma mensagem muito propícia ao momento que este país campeão da desigualdade vivencia, da pena do presbítero e escritor francês Michel Quoist. Fala ele do tema da liberdade, uma pretensa liberdade concedida aos pobres que, sem ter para onde ir, se amontoam em favelas, bolsões de carência absoluta nos arrabaldes das cidades.

Liberdade falsa e sem direito a voto, pois foram os mais destituídos, em sua grande maioria, que elegeram a presidenta recentemente deposta. E veja-se bem quem fomentou esse estado de coisas: uma elite que não olha além do seu próprio umbigo, golpista como sempre na história pátria, que fará essa massa da população brasileira “pagar o pato”, enquanto ela – Fiesp, mídia canalha, políticos idem, juízes mais do que canalhas – receberá as “benesses” da violência à democracia que patrocinou!

J.A.R. – H.C.

Michel Quoist
(1918-1997)

Liberdade para Fulano

Os homens construíram prisões para os homens — não somente prisões de pedras, mas também prisões invisíveis, mais apertadas que as primeiras. Com efeito, em redor de nós os homens estão emparedados em estruturas sociais, econômicas e políticas que os reduzem à escravidão. O peso em cima deles, destas estruturas desumanas, atinge não apenas sua liberdade exterior, mas, pior ainda, a interior. Para poderem comer, para conseguirem viver, são obrigados, muitíssimas vezes, a deixar que se acorrente sua “pessoa”. Ora, qualquer atentado à liberdade do homem é um insulto a Deus. O cristão tem o dever de combater para libertar o homem. É uma posição essencial a seu cristianismo.


Então a corte, o tribuno, e os guardas dos judeus, apanharam Jesus e o manietaram. (Evangelho de João, 18:12).

Fostes chamados para a liberdade. Mas que esta liberdade não descambe em pretexto para a carne. Pela caridade, porém, ponde-vos a servir-vos uns aos outros. Pois um pretexto só encerra toda a lei em sua plenitude: Amar ás teu próximo tanto quanto a ti mesmo. (Carta do apóstolo Paulo aos cristãos da Galácia, 5: 13).


Nos muros da cidade,
Nos cartazes,
Nos jornais,
Nos prospectos volantes,
Por toda parte eu li: “Liberdade para Fulano”.
É que há prisões por toda parte, Senhor, e Tu não gostas disto,
eu sei.
Há prisões que não se escondem,
E há as prisões disfarçadas, as prisões de recâmbio, as prisões de
emergência, porque não há lugar bastante nas prisões
verdadeiras, para prender o mundo todo.
Há as prisões que têm grades, sólidas grades, que a gente vê e
que se podem serrar.
E as que têm grades invisíveis que a gente nem pode pegar e
sacudir de raiva, enquanto os outros nos dizem sorrindo: “mas você está livre, a porta está aberta, você pode sair”,
quando sabem muito bem que a gente não pode escapar.
Há as prisões onde os carrascos torturam, como verdadeiras
feras humanas
E as prisões onde os carrascos andam mascarados em homens de
bem, e ferem o outro lá no fundo, sem que ninguém consiga,
nunca, perceber suas duas mãos.
Há as prisões que se chamam prisão, abertamente, bem
francamente, sem cerimônias,
E as prisões que recebem uma porção de nomes arranjados, para
ficar melhor, para dar uma ilusão,
Prisões que se chamam favela, cidade, fábrica, baile, bordel.
Prisões chamadas de regime político, sistema econômico,
sociedade anônima, contrato, lei, regulamento,
Prisões que recebem tantos outros nomes, em todos os países e
em todos os tempos.

Porém, Senhor,
Não foste Tu que as inventaste,
Livres Tu nos fizeste, livres para Te amar ou Te repudiar,
Pois que seria do amor, se fôssemos obrigados a amar?
Foi o homem que construiu prisões para os outros homens.
As prisões de alvenaria onde, tantas e tantas vezes, encarcera os
outros, porque não pensam como ele, porque não se
exprimem do mesmo modo, porque não agem da mesma
forma.
As prisões invisíveis que o homem construiu pouco a pouco à
força de egoísmo, de orgulho ou de avareza.

Uma parte da Humanidade, Senhor, aprisionou a outra parte.

Meu filhinho, o que Me assusta não são tanto as masmorras de
pedra
É preciso que existam, agora que instalastes a desordem no
mundo.
Quando os homens as empregam para prender os que não
pensam como eles
Eu sofro, porque insultam Meu próprio pensamento,
mas sei que a alma fica livre e ninguém pode impedi-la de
pensar como quiser.
Mas, vê, as que me ferem são as prisões invisíveis.
São inúmeras no mundo e muitos de meus filhos nelas nascem,
crescem, morrem.
E, além do mais, são tão estreitas, tão altas, tão pesadas, tão
penosas,
Que esmagam o corpo e tocam até a alma.
É grave, meu menino, porque atingem a liberdade, a verdadeira.
Paralisam-na,
Agrilhoam-na,
Destroem-na,
Destroem o homem.
Vamos, menino,
assina listas,
faz passeatas,
lança manifestos,
briga,
Para que deem liberdade a Fulano,
Mas, sobretudo, que sejam libertados todos os prisioneiros, de
todas as masmorras invisíveis,
Pois Eu, vosso Deus, livres vos fiz e livres vos deixo.

Cena de Prisão
(Francisco de Goya: pintor espanhol)

Referência:

QUOIST, Michel. Liberdade para fulano. Tradução de Lucas Moreira Neves. In: __________. Poemas para rezar. 18. ed. São Paulo, SP: Livraria Duas Cidades, 1965. p. 112-115.

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