Eis uma mensagem muito propícia ao momento que este país campeão da
desigualdade vivencia, da pena do presbítero e escritor francês Michel Quoist.
Fala ele do tema da liberdade, uma pretensa liberdade concedida aos pobres que,
sem ter para onde ir, se amontoam em favelas, bolsões de carência absoluta nos
arrabaldes das cidades.
Liberdade falsa e sem direito a voto, pois foram os mais destituídos, em
sua grande maioria, que elegeram a presidenta recentemente deposta. E veja-se bem quem fomentou esse estado de coisas: uma elite que não
olha além do seu próprio umbigo, golpista como sempre na história pátria, que
fará essa massa da população brasileira “pagar o pato”, enquanto ela – Fiesp, mídia
canalha, políticos idem, juízes mais do que canalhas – receberá as “benesses” da
violência à democracia que patrocinou!
J.A.R. – H.C.
Michel Quoist
(1918-1997)
Liberdade para Fulano
Os homens construíram prisões para os homens — não somente prisões de
pedras, mas também prisões invisíveis, mais apertadas que as primeiras. Com
efeito, em redor de nós os homens estão emparedados em estruturas sociais,
econômicas e políticas que os reduzem à escravidão. O peso em cima deles,
destas estruturas desumanas, atinge não apenas sua liberdade exterior, mas,
pior ainda, a interior. Para poderem comer, para conseguirem viver, são
obrigados, muitíssimas vezes, a deixar que se acorrente sua “pessoa”. Ora,
qualquer atentado à liberdade do homem é um insulto a Deus. O cristão tem o
dever de combater para libertar o homem. É uma posição essencial a seu
cristianismo.
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Então a corte, o
tribuno, e os guardas dos judeus, apanharam Jesus e o manietaram. (Evangelho de
João, 18:12).
Fostes chamados para
a liberdade. Mas que esta liberdade não descambe em pretexto para a carne. Pela
caridade, porém, ponde-vos a servir-vos uns aos outros. Pois um pretexto só
encerra toda a lei em sua plenitude: Amar ás teu próximo tanto quanto a ti
mesmo. (Carta do apóstolo Paulo aos cristãos da Galácia, 5: 13).
•
Nos muros da cidade,
Nos cartazes,
Nos jornais,
Nos prospectos
volantes,
Por toda parte eu li:
“Liberdade para Fulano”.
É que há prisões por
toda parte, Senhor, e Tu não gostas disto,
eu sei.
Há prisões que não se
escondem,
E há as prisões
disfarçadas, as prisões de recâmbio, as prisões de
emergência, porque
não há lugar bastante nas prisões
verdadeiras, para
prender o mundo todo.
Há as prisões que têm
grades, sólidas grades, que a gente vê e
que se podem serrar.
E as que têm grades
invisíveis que a gente nem pode pegar e
sacudir de raiva,
enquanto os outros nos dizem sorrindo: “mas você está livre, a porta está
aberta, você pode sair”,
quando sabem muito
bem que a gente não pode escapar.
Há as prisões onde os
carrascos torturam, como verdadeiras
feras humanas
E as prisões onde os
carrascos andam mascarados em homens de
bem, e ferem o outro
lá no fundo, sem que ninguém consiga,
nunca, perceber suas
duas mãos.
Há as prisões que se
chamam prisão, abertamente, bem
francamente, sem
cerimônias,
E as prisões que
recebem uma porção de nomes arranjados, para
ficar melhor, para
dar uma ilusão,
Prisões que se chamam
favela, cidade, fábrica, baile, bordel.
Prisões chamadas de
regime político, sistema econômico,
sociedade anônima, contrato, lei, regulamento,
Prisões que recebem
tantos outros nomes, em todos os países e
em todos os tempos.
Porém, Senhor,
Não foste Tu que as
inventaste,
Livres Tu nos
fizeste, livres para Te amar ou Te repudiar,
Pois que seria do
amor, se fôssemos obrigados a amar?
Foi o homem que
construiu prisões para os outros homens.
As prisões de
alvenaria onde, tantas e tantas vezes, encarcera os
outros, porque não
pensam como ele, porque não se
exprimem do mesmo
modo, porque não agem da mesma
forma.
As prisões invisíveis
que o homem construiu pouco a pouco à
força de egoísmo, de
orgulho ou de avareza.
Uma parte da
Humanidade, Senhor, aprisionou a outra parte.
Meu filhinho, o que Me
assusta não são tanto as masmorras de
pedra
É preciso que
existam, agora que instalastes a desordem no
mundo.
Quando os homens as
empregam para prender os que não
pensam como eles
Eu sofro, porque insultam
Meu próprio pensamento,
mas sei que a alma
fica livre e ninguém pode impedi-la de
pensar como quiser.
Mas, vê, as que me
ferem são as prisões invisíveis.
São inúmeras no mundo
e muitos de meus filhos nelas nascem,
crescem, morrem.
E, além do mais, são
tão estreitas, tão altas, tão pesadas, tão
penosas,
Que esmagam o corpo e
tocam até a alma.
É grave, meu menino,
porque atingem a liberdade, a verdadeira.
Paralisam-na,
Agrilhoam-na,
Destroem-na,
Destroem o homem.
Vamos, menino,
assina listas,
faz passeatas,
lança manifestos,
briga,
Para que deem
liberdade a Fulano,
Mas, sobretudo, que
sejam libertados todos os prisioneiros, de
todas as masmorras
invisíveis,
Pois Eu, vosso Deus,
livres vos fiz e livres vos deixo.
Cena de Prisão
(Francisco de Goya:
pintor espanhol)
Referência:
QUOIST, Michel. Liberdade para fulano.
Tradução de Lucas Moreira Neves. In: __________. Poemas para rezar. 18. ed. São Paulo, SP: Livraria Duas Cidades,
1965. p. 112-115.
❁
Foi meu livro de cabeceira nos anos 60.....
ResponderExcluirM.P.: Mais ou menos como no meu caso, só que na primeira metade dos anos 80.
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