Borges alude, neste poema, à filosofia de Heráclito, filósofo grego para
quem tudo flui neste mundo: no amplo domínio da eternidade, jamais nos banharemos
duas vezes nas águas de um mesmo rio. Eis aí o binômio tempo-espaço a que se
submete a matéria perecível do cosmos!
E a par de toda a mudança, há coisas que perduram pela escala de milênios,
como o Rio Ganges, manancial sagrado dos indianos, em cujas águas o poeta se vê
arrebatado, a contemplar o fluxo das estações: o hoje que, amanhã, será ontem...
e, por fim, cairá no esquecimento!
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Heráclito
El segundo
crepúsculo.
La noche que se
ahonda en el sueño.
La purificación y el
olvido.
El primer crepúsculo.
La mañana que ha sido
el alba.
El día que fue la
mañana.
El día numeroso que
será la tarde gastada.
El segundo
crepúsculo.
Ese otro hábito del
tiempo la noche.
La purificación y el
olvido.
El primer
crepúsculo...
El alba sigilosa y en
el alba
la zozobra del
griego.
¿Qué trama es ésta
del será, del es y
del fue?
¿Qué río es éste
por el cual corre el
Ganges?
¿Qué río es éste cuya
fuente es inconcebible?
¿Qué río es éste
que arrastra
mitologías y espadas?
Es inútil que duerma.
Corre en el sueño, en
el desierto, en un sótano.
El río me arrebata y
soy ese río.
De una materia
deleznable fuí hecho, de misterioso tiempo.
Acaso el manantial
está en mí.
Acaso de mi sombra
surgen, fatales e
ilusorios, los días.
Em: “Elogio de la Sombra” (1969)
Heráclito de Éfeso
(535 a.C. - 475 a.C.)
Detalhe de “A Escola
de Atenas”
(Rafael Sanzio:
pintor italiano)
Heráclito
O segundo crepúsculo.
A noite que mergulha
no sono.
A purificação e o
esquecimento.
O primeiro
crepúsculo.
A manhã que foi a
aurora.
O dia que foi a
manhã.
O dia numeroso que
será a tarde gasta.
O segundo crepúsculo.
Esse outro hábito do
tempo, a noite.
A purificação e o
esquecimento.
O primeiro
crepúsculo…
A aurora sigilosa e
na aurora
o soçobro do grego.
Que trama é esta
do será, do é e do
foi?
Que rio é este
por onde corre o
Ganges?
Que rio é este cuja
fonte é inconcebível?
Que rio é este
que arrasta
mitologias e espadas?
É inútil que durma.
Corre no sonho, no
deserto, num porão.
O rio me arrebata e
sou o rio.
De matéria perecível
fui feito, de misterioso tempo.
Talvez o manancial
esteja em mim.
Talvez de minha
sombra
surjam, fatais e
ilusórios, os dias.
Em: “Elogio da Sombra” (1969)
Referência:
BORGES, Jorge Luis. Heráclito /
Heráclito. Tradução de Josely Vianna Baptista. In: __________. Nova antologia pessoal. Traduções de
Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. Edição bilíngue. 1.
ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2013. Em espanhol: p. 324-325; em
português: p. 60-61.
❁
Poesia maravilhosa!
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