Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Jorge Luis Borges - Heráclito

Borges alude, neste poema, à filosofia de Heráclito, filósofo grego para quem tudo flui neste mundo: no amplo domínio da eternidade, jamais nos banharemos duas vezes nas águas de um mesmo rio. Eis aí o binômio tempo-espaço a que se submete a matéria perecível do cosmos!

E a par de toda a mudança, há coisas que perduram pela escala de milênios, como o Rio Ganges, manancial sagrado dos indianos, em cujas águas o poeta se vê arrebatado, a contemplar o fluxo das estações: o hoje que, amanhã, será ontem... e, por fim, cairá no esquecimento!

J.A.R. – H.C.

Jorge Luis Borges
(1899-1986)

Heráclito

El segundo crepúsculo.
La noche que se ahonda en el sueño.
La purificación y el olvido.
El primer crepúsculo.
La mañana que ha sido el alba.
El día que fue la mañana.
El día numeroso que será la tarde gastada.
El segundo crepúsculo.
Ese otro hábito del tiempo la noche.
La purificación y el olvido.
El primer crepúsculo...
El alba sigilosa y en el alba
la zozobra del griego.
¿Qué trama es ésta
del será, del es y del fue?
¿Qué río es éste
por el cual corre el Ganges?
¿Qué río es éste cuya fuente es inconcebible?
¿Qué río es éste
que arrastra mitologías y espadas?
Es inútil que duerma.
Corre en el sueño, en el desierto, en un sótano.
El río me arrebata y soy ese río.
De una materia deleznable fuí hecho, de misterioso tiempo.
Acaso el manantial está en mí.
Acaso de mi sombra
surgen, fatales e ilusorios, los días.

Em: “Elogio de la Sombra” (1969)

Heráclito de Éfeso
(535 a.C. - 475 a.C.)
Detalhe de “A Escola de Atenas”
(Rafael Sanzio: pintor italiano)

Heráclito

O segundo crepúsculo.
A noite que mergulha no sono.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo.
A manhã que foi a aurora.
O dia que foi a manhã.
O dia numeroso que será a tarde gasta.
O segundo crepúsculo.
Esse outro hábito do tempo, a noite.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo…
A aurora sigilosa e na aurora
o soçobro do grego.
Que trama é esta
do será, do é e do foi?
Que rio é este
por onde corre o Ganges?
Que rio é este cuja fonte é inconcebível?
Que rio é este
que arrasta mitologias e espadas?
É inútil que durma.
Corre no sonho, no deserto, num porão.
O rio me arrebata e sou o rio.
De matéria perecível fui feito, de misterioso tempo.
Talvez o manancial esteja em mim.
Talvez de minha sombra
surjam, fatais e ilusórios, os dias.

Em: “Elogio da Sombra” (1969)

Referência:

BORGES, Jorge Luis. Heráclito / Heráclito. Tradução de Josely Vianna Baptista. In: __________. Nova antologia pessoal. Traduções de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2013. Em espanhol: p. 324-325; em português: p. 60-61.

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