Estou à procura de um homem ético naquele Parlamento que dista de minha
residência uns quatro a cinco quilômetros em linha reta. Talvez vá até lá com
uma lanterna na mão em pleno dia, de forma a imitar o grego Diógenes na Atenas
de seu tempo!
Um bando de corruptos, com algumas exceções, claro está! E parece que neste
país nada muda com o avançar do tempo: veja-se o poema abaixo, do presbítero e
poeta mineiro Corrêa de Almeida. Em pleno séc. XIX, ele reflete sobre as mesmas
mazelas que ainda hoje se encontram na política nacional...
J.A.R. – H.C.
(1820-1905)
A Lanterna de Diógenes
Diógenes, diz a história,
Quando ó sol
resplandecia,
Lanterna acesa
trazia,
Procurando aquém e
além,
Um homem, homem de bem.
E malhava em ferro
frio;
Pois a fazenda que
busca,
Dia claro ou noite
fusca
Dificilmente aparece
Inda que um prego
acendesse.
Se nesses dourados
tempos
Como cousa esquiva e
rara
Homem de bem se
catara,
Que será nos tempos
de hoje
Em que a virtude nos
foge?
Que será em nossas
eras,
Em que o vício
horrendo e feio,
Anda solto, anda sem
freio,
Praticando excessos
tais,
Que nunca houve
outros iguais?
Premunido da
lanterna,
Que Diógenes trazia,
Como ele outrora
fazia,
Eu procuro aquém e
além
Um homem, homem de
bem.
Nas patranhas mitológicas,
Nessa impostura
faceta,
Com seu ressaibo de
peta,
De Jano é duplo o
semblante,
Um atrás, outro
adiante.
Na quadra do
positivo,
Da verdade nua e
crua,
Pela entrada pela rua
A cada passo deparas
Sujeito de duas
caras.
Uma para prometer,
A outra para cumprir,
Uma quando vem pedir,
A outra quando lhe
rogo
A satisfação do – logo.
No grêmio da gente sã,
E na mais polida
roda,
Está no rigor da
moda,
No próprio ou negócio
alheio
Da mentira a
galanteio.
E vive a mil
maravilhas
O mentiroso impudente:
Não há nada que não
tente,
E se no mentir não
cansa,
Quanto exige, tanto
alcança.
Porque papalvos há
sempre,
Sempre dispostos à
pulha,
E sem matinada ou
bulha,
Com balda de sabichões
Engolem carapetões.
– Palavra de Rei não
volta –
Era adágio
antigamente;
Mas na época presente
Vai d’avante para trás,
Como o caranguejo
faz.
Ali não vês o magnata
A quem tributam
respeito
E cortesias a eito?
Em mui breve
relatório
Eu te explico o meninório.
É rico, mas não
herdou
De algum parente por
morte;
Não consta tirasse
sorte,
Nem descobrisse tesouro,
Ou nas minas veia de ouro.
De flexível
consciência
Já tem habito de
usura,
E da humana criatura
No tráfego ou
contrabando
Vai a fortuna aumentando.
E porque o mundo
assim é,
É quem está dando as
cartas.
E as barrigas menos
fartas
Acreditam, mas em vão,
Que ele vai fabricar
pão.
Porém – coitadas! – iludem-se,
Pois certamente o
ricaço
É na utilidade
escasso,
E quando ao favor se
obriga,
Serve a riqueza de
figa.
Já tens observado bem
Todos os traços do
vulto
Daquele jurisconsulto?
Quando considera e pensa,
’Stá ponderando a
sentença.
Não sei porém distinguir
Se é sacerdote de
Astreia;
Pois, segundo minha
ideia,
Também o mercador
lança
Seus produtos na
balança.
Naquele fidalgo gira
O sangue de Reis
avós;
Sobre o peito se lhe
pôs
Perto da Grã-Cruz dá
Rosa
De Comendas uma grosa.
Entretanto na taverna
Não lhe fiam dez
tostões,
E em desar de seus
brasões,
E a despeito das
bravatas
Mandam-no plantar
batatas.
Inventou-se na
política
Certo palavrão de
fama,
Seja programa ou pró-trama,
Como quer que ele se
tome,
Não se perca pelo
nome.
Por índole do sistema
Ha dois partidos na
terra;
Enquanto um ateia a
guerra,
O outro tece o
louvaminhas
Ao governo das
papinhas.
Será convicção que os
move,
Amor da Pátria que os
guia
Na batalhada porfia?
Sê-lo-á, sê-lo-não-á,
Ou será, ou não será!
Em véspera de
eleições
O candidato se
empenha,
Oferecendo a resenha
De meditados projetos
Tão salutares quão retos.
Dos sufrágios
espontâneos
Passado o momento
critico,
Procede como
político;
As promessas não
recorda,
E ao votante rói a
corda.
Eis ali um fazendeiro
Símbolo da probidade!
Veio passear à cidade
A ver se tem
crescimento
O preço do
mantimento.
Inda não julga
bastante
Dos comestíveis a
falta,
E o farelo à espera
de alta
Do paiol vai para o
sol,
E do sol para o
paiol.
Se há carestia de víveres,
E a peso de ouro se
come,
Quem terá culpa na
fome,
Que despido e já sem
capa
O mísero pobre rapa?
Vês o padre a folhear
O seboso breviário?
Está fazendo inventário
Das sobras que
reservadas
Servem p’ra maior de
espadas.
Se é pastor, não dá
pastagem;
Se é pároco ou cura
de almas,
Nem dos mártires as
palmas,
Nem de espinhos a
coroa
Lhe parecem cousa
boa.
Não obstante, o povo crédulo
Intitula-o – Padre
Santo –
E cheio de assombro e
espanto
Chega a descobrir
indícios
De penitência e cilícios.
Nem tudo que luz é
ouro,
E assim Deus me dê
saúde
Como do padre a
virtude,
Não sendo metal sem
liga,
Tem muito que se lhe
diga.
Se aplicando atentamente
Óculos, lanterna, e
vista
Passei exata revista
Sem achar o que
procuro
A lanterna dependuro.
Mas não perdi meu
trabalho;
Pois estudei as
fraquezas
Das humanas
naturezas,
E das conclusões, que
tiro,
Este juízo profiro:
Presumir homem de bem
Tudo quanto veste calça,
Seria uma ideia falsa
Capaz de induzir ao erro
O espírito menos perro.
Congresso Nacional (BSB):
Referência:
ALMEIDA, José Joaquim Corrêa. A
lanterna de Diógenes. In: __________. Poesias
do Padre Corrêa: sátiras, epigramas e outras poesias. Segundo Volume. Rio
de Janeiro, GB: Eduardo & Henrique Laemmert, 1858. p. 13-20.
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