Nada como regressar à casa de onde se partiu, depois de décadas em
aventuras para se alcançar o sentido da vida, no afã de materializar o destino
que nos cabe e que, conquistado ou logrado, passará a fazer parte da história indelevelmente
registrada em nossa memória.
Seja um regresso temporário, como se fosse para tomar fôlego para alçar
novos voos, seja um definitivo, com o objetivo de resgatar os laços saudosos
deixados no torrão natal, o regresso é um daqueles temas recorrentes na
literatura, remontando lá na origem, v.g., ao memorável enredo da Odisseia, no
qual Odisseu – ou Ulisses – retorna a Ítaca de onde zarpara.
J.A.R. – H.C.
Guerra Junqueiro
(1850-1923)
Regresso ao Lar
Ai, há quantos anos
que eu parti chorando
Deste meu saudoso,
carinhoso lar!
Foi há vinte?... Há
trinta?... Nem eu sei já quando!
Minha velha ama, que
me estás fitando,
Canta-me cantigas
para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo,
dei a volta à vida...
Só achei enganos,
decepções, pesar...
Oh, a ingênua alma
tão desiludida!...
Minha velha ama, com
a voz dorida,
Canta-me cantigas de
me adormentar!...
Trago d’amargura o
coração desfeito...
Vê que fundas mágoas
no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu
ninho estreito!...
Minha velha ama que
me deste o peito,
Canta-me cantigas
para me embalar!...
Pôs-me Deus outrora
no frouxel do ninho
Pedrarias d’astro,
gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê,
pelo caminho!...
Minha velha ama, sou
um pobrezinho...
Canta-me cantigas de
fazer chorar!...
Como antigamente, no
regaço amado,
(Venho morto,
morto!...), deixa-me deitar!
Ai! O teu menino como
está mudado!
Minha velha ama, como
está mudado!
Canta-lhe cantigas de
dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas,
manso, muito manso...
Tristes, muito
tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas
para ver se alcanço
Que a minh’alma
durma, tenha paz, descanso,
Quando a Morte, em
breve, ma vier buscar!
O Retorno do Filho Pródigo
(Pompeo Batoni:
pintor italiano)
Referência:
JUNQUEIRO, Guerra. Regresso ao lar. In:
ALMEIDA, Napoleão Mendes de (Org.). 1º Volume. Antologia remissiva. São Paulo, SP: Annablume, 2003. p. 34-35.
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