Uma falange de 300 homens, um ser heteronímico como Fernando Pessoa, com
certo linguajar caipira misturado a outro mais erudito. Um ente com a
capacidade de estar em inúmeros lugares ao mesmo tempo, dos Pirineus ao Piauí.
Uma multiplicidade de vivências.
Este é Mário de Andrade, o escritor modernista que procurou matizar em
seus trabalhos tendências diversas, quer populares – em especial do folclore
nacional –, quer oriundas da cultura internacional.
J.A.R. – H.C.
Mário de Andrade
(1893-1945)
Eu sou trezentos
(7-VI-1929)
Eu sou trezentos, sou
trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem
de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh
Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer,
irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito
as milhores palavras,
E os suspiros que dou
são violinos alheios;
Eu piso a terra como
quem descobre a furto
Nas esquinas, nos
táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou
trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu
toparei comigo...
Tenhamos paciência,
andorinhas curtas,
Só o esquecimento é
que condensa,
E então minha alma
servirá de abrigo.
Família Ronson
(John Allinson:
pintor galês)
Referência:
ANDRADE, Mário. Eu sou trezentos. In:
__________. Melhores poemas de Mário de
Andrade. Seleção de Gilda de Mello e Souza. 7. ed. São Paulo, SP: Global,
2003. p. 99. (Coleção ‘Melhores Poemas’, n. 21)
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