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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Jorge de Lima - A Vida Incomum do Poeta

Jorge de Lima, o famoso autor de “Invenção de Orfeu” (1952), resenha em rápidas linhas a visão mais comum que as pessoas têm da figura do poeta. Num entorno do mundo que, por vezes, parece-lhe disparatado, o poeta é como um anjo, sob cerrado processo catártico.

Há aqui menção aos mesmos estigmas que atingiram muitos dos grandes poetas que por esta Terra já passaram: incompreensão, rejeição, solidão. Ele próprio, um rebento que tem a valência de reconhecer as suas origens: “‘Sperai! Cai no areal e na hora adversa / Que Deus concede aos seus / Para o intervalo em que esteja a alma imersa / Em sonhos que são Deus”, como evoca o grande Fernando Pessoa.

J.A.R. – H.C.

Jorge de Lima
(1893-1853)

A Vida Incomum do Poeta

Antes de tudo era um anjo de Deus.
E sem pedir foi enviado ao mundo.
Nasceu sem querer numa hora amarga
com os estigmas e os delitos dos pais.
Depois de sugar seios mercenários
nasceram-lhe dentes de roedor,
de carniceiro e de mastigador.
Apesar disso era manso sem saber por que
e já era homem antes da virilidade.
Homem feito foi convidado
a solenizar a sua festa nupcial
e a transmitir sua posteridade.
Deu filhos e deu poemas ao mundo
que os não compreendeu nem os aceitou.
Mas as suas alegrias sendo outras,
seus caminhos, seus amores sendo outros,
foi posto à margem como um ser inútil.
Não se matou porque um anjo sempre
não consentiu, lhe segurando a mão.
Mas já havia chegado o seu declínio:
Nada conseguiu, nada o contentou.
Nasceu só, viveu só, vai morrer só.
Então caminha para a morte
sem surpresa nenhuma
sem saudade nenhuma
e também sem recompensa nenhuma.

Anjo da Revelação
(William Blake: poeta e artista inglês)

Referência:

LIMA, Jorge de. A vida incomum do poeta. In: TORRES, Alexandre Pinheiro (Seleção, Introdução e Notas). Antologia da poesia brasileira: os modernistas. v. III. Porto, PT: Livraria Chardron de Lello & Irmão Editores, 1984. p. 530.

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