Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

João Guimarães Rosa - O Grande Sertão

Vai aqui uma justa homenagem deste bloguinho ao médico, diplomata e escritor mineiro João Guimarães Rosa, um dos maiores nomes, se não for o maior, da Literatura Brasileira.

Seu livro “Grande Sertão: Veredas”, de 1956, ombreia com clássicos de nossa literatura, como “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1880) ou “Dom Casmurro” (1899), de Machado de Assis, ou ainda “Vidas Secas” (1938), de Graciliano Ramos.

A longa apreciação de sua obra, abaixo postada, pertence ao professor, filólogo e linguista gaúcho Celso Luft (1921-1995), extraída de sua obra relacionada no campo de referências.

J.A.R. – H.C.
João Guimarães Rosa
(1908-1967)

Apreciação da Obra por
Celso Pedro Luft (1979, p. 336-338)

N. em Cordisburgo (Minas Gerais, 27.6.1908). M. no Bio de Janeiro (19.11.1967). Infância e juventude na zona de Urucuia, que haveria de marcar-lhe a visão regionalista. Formado em Medicina em Belo Horizonte, clinicou no interior mineiro (Itaguara), e foi capitão-médico da Força Pública do seu Estado. Entrou depois na carreira diplomática. No começo da Segunda Grande Guerra representava o Brasil em Hamburgo (Alemanha), regressando à pátria após a declaração de guerra do Brasil ao Eixo. Secretário da Embaixada em Bogotá (1942-4). Chefe de gabinete do Ministro Neves da Fontoura (1946). Conselheiro da Embaixada de Paris (1948-51). Chefe de gabinete do Ministro de Relações Exteriores (1951-3). Etc. Conquistou diversos prêmios literários: Prêmio de Poesia, da Academia Brasileira de Letras (1936); Prêmio Sociedade Filipe de Oliveira (1946); Prêmio Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro (1956); Prêmio Cármen Dolores Barbosa (1956); Prêmio Paula Brito, da Biblioteca Municipal do Bio de Janeiro (1957); etc. Em 1963, na vaga de João Neves da Fontoura, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Foi também membro da Sociedade de Geografia, do Bio de Janeiro.

Obras – Poesia: Magma (1936 – Prêmio de Poesia, da Academia Brasileira de Letras; inédito). – Ficção – a) Contos e novelas: Sagarana (1946); Corpo de Baile, 2 vols. (1956); Primeiras Estórias (1962). – 6) Romance: Grande Sertão: Veredas (1956). – Reportagem: Com o Vaqueiro Mariano (1952).

Apreciação: João Guimarães Rosa é dos escritores brasileiros da época pós-modernista um dos mais festejados pela crítica, e certamente o mais original. Iniciou a carreira literária como poeta – poesia em versos, quando a sua destinação era a poesia em prosa ou a prosa poética. Mas o livro de poemas, Magma (1936), prêmio da Academia Brasileira de Letras, não chegou a publicá-lo. Estreou assim com Sagarana, contos e novelas regionalistas, mas de um regionalismo diferente, baseado na pesquisa è elaboração artística da linguagem, incluída a regional. Enquanto os tipos anteriores de regionalismo – o romântico de Alencar e Bernardo Guimarães, o realista de Coelho Neto, Monteiro Lobato e Simões Lopes Neto, e o modernista de Lins do Rego e José Américo – se compraziam no pitoresco local e na imitação ou transcrição da linguagem popular e coloquial, Guimarães Rosa estiliza o material que a pesquisa lhe revela. Já o título Sagarana exemplifica a revolução idiomático-literária: é termo cunhado pelo autor – Saga “lenda escrita, propriamente o que se diz ou conta” (al. sagen) + rana (sufixo tupi-guarani) “parecido com, tirante a, que tem semelhança ou analogia com” (brancarana, caferana). A cunhagem de novas formas para fins expressivos será uma constante em G. R. Neste livro de estreia, apesar de páginas definitivas como, entre outras, “A hora e vez de Augusto Matraga”, notam-se as naturais deficiências do estreante, a exterioridade de processos estilísticos como a prosa rítmica, etc. A consagração definitiva, com o pleno domínio do artista, viria dez anos após, com duas obras, essas imortais, da primeira linha da ficção brasileira: Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas. O novelista entrara corajosamente por um caminho novo, indiferente à celeuma que a sua audaciosa solidão artística levantaria. De fato, a crítica dividiu-se pró ou contra o fenômeno G. R., uns a falarem em genialidade, outros em equívoco literário. A verdade é que a revolução artística de G. R. obrigou a crítica brasileira a rever seus métodos rotineiros e sair do seu impressionismo sem alcance. Era a “hora e vez” de críticos como Haroldo de Campos, Cavalcanti Proença, Eduardo Portella, Oswaldino Marques e outros.

Corpo de Baile é um “corpo” de novelas como o fora Sagarana; aqui porém o novelista leva os seus processos estilísticos às últimas consequências. Concebido inicialmente como uma das novelas da coletânea, Grande Sertão acabou em dimensões de encorpado romance. Mas o espírito e o estilo são os mesmos. G. R. criava a ficção estruturalmente sertaneja, de ressonâncias universais. Não o mero pitoresco local e linguajar típico, e sim a recriação poética de uma cosmovisão sertaneja – eis o objetivo do novelista. O ambiente, os costumes, as tradições, os modismos e a fala peculiares às personagens enfocadas, são apenas um suporte para a sondagem e meditação dos grandes problemas humanos de todos os tempos e lugares. Em vez da rasa transcrição de certo regionalismo sem nível artístico, procura-se aqui recriar, amoldar esteticamente o material genuíno. Daí o cunho paradoxalmente regionalista e universal. Os hábitos locais, os pequenos dramas interioranos respiram uma inquietação ética e metafísica universal. Já se frisou o quanto há de dostoievskiano em muitas páginas rosianas. Grande Sertão liga-se à tradição literária ocidental dos pactos diabólicos. Riobaldo, antigo jagunço, narra a sua dramática história. Na tarefa de vingar seu chefe Joca Ramiro, assassinado à traição, fez um pacto com o demônio. Esse tema fáustico e outros que o romance desenvolve, projetam a obra à altura da melhor literatura mundial deste século.

O que dificulta o acesso à obra de G. R., e a não poucos afasta ou choca irreconciliavelmente, é a sua linguagem. Muitos consideram seus livros ilegíveis, esotéricos. Em verdade, G. R. é desses autores que exigem imaginação poética a quem os lê. Na ânsia de exprimir experiências e sensações irredutivelmente pessoais, o escritor-poeta se vê forçado a reavivar os elementos idiomáticos viciados e gastos pelo uso cotidiano. Neste empenho, prefere a maioria ficar num meio-termo de neologismos morfológicos ou semânticos, de metáforas renovadoras ou combinações inusitadas de palavras. G. R., já o dissemos, levou a recriação da linguagem às últimas consequências. Para ele, na luta pela expressividade absoluta da língua, vale tudo: joga com o arcaico e o moderno, o erudito e o popular, o nacional e o estrangeiro, o vulgar e o científico, o nobre e a gíria. Quando o elemento vernáculo não basta, vai ao latim, ao grego ou a algum idioma estrangeiro. O seu instrumento de arte é a linguagem funcional – a linguagem constantemente amoldada e recriada em função do que o autor pensa ou sente, dó que as suas personagens sentem ou pensam. Numa estória de crianças recorre à linguagem infantil, como à gíria marítima num conto de homens do mar, ou à fala sertaneja nos diálogos de campônios ou jagunços. É extraordinário o acervo de conhecimentos e o poliglotismo que o autor revela nesse esforço. G. R. inaugura, assim, uma nova fase na ficção e na prosa, brasileira, e é o ponto de partida para uma fecunda renovação literária.

Alguns exemplos da prosa artística, poética, de G. R. (Grande Sertão): Para ele olhei, o tanto, o tanto, até ele anoitecer em meus olhos. – No átimo, supri a claridade completa de ideia... – O pelo da gente se arrupeia de total gastura – cheio chorou, feito criança – Vá de retro! – nanje os dias e as noites não recordo. – E de repente aqueles homens podiam ser montão, montoeira, aos milhares mis e centos milhentos, vinham se desentocando – Ah, as coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladroalmente. – O pássaro que se separa de outro, vai voando adeus o tempo todo. – O dia parava formoso, suando sol, mesmo o vento suspendido. – (Primeiras Estórias): O silêncio se torcia. – à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio. – Chegava, após íngremes horas e encostas. – Almoçou-se, com-fomemente, apesardes. – grito meio ferrugento dos tucanos...

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O que eu vi, sempre, é que toda a ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo (ROSA, 2001, p. 194).

Referências:

LUFT, Celso Pedro. João Guimarães Rosa. In: __________. Literatura portuguesa e brasileira. Enciclopédia Globo para os Cursos Fundamental e Médio. Organização de Álvaro Magalhães. V. II. Porto Alegre, RS: Globo, 1979. p. 336-338.

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19 ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2001.

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