Da lavra do poeta fluminense Eduardo Alves da Costa – o mesmo autor de “No
caminho com Maiakóvski”, que muitos atribuem equivocadamente ao próprio
Maiakóvski –, tem-se aqui um poema que expressa a tentativa de salvar a poesia mesma.
Se a poesia agoniza ou se faz beicinho de carência, isso pouco importa:
vê-se no poema outras tantas experiências que a limitam, ou que, diversamente,
servem como modo e motivo para criá-la, pulverizá-la neste vasto e louco mundo:
“Vai, morena, pega teu rumo e toma tento que essa frescura te mata”.
J.A.R. – H.C.
Eduardo Alves da Costa
(n. 1936)
Tentativa para salvar a poesia
A poesia agoniza e eu choro
com medo de perder a
vaga
de poeta.
Os mais velhos
recomendam
cautela com a emoção,
repouso,
caldo de galinha
e linguagem à antiga.
Os fatalistas
lamentam o cinema
e chamam ao nosso
sáculo
o das artes visuais.
A televisão é a culpada
– sentencia um
jornalista
versado em filatelia,
enquanto uma equipe
de cirurgiões estetas
luta para livrar o
coração da enferma
de adiposidades românticas.
E eu, que havia
programado
uma carreira nas
letras
seguro a caneta
como um boi a olhar
para um palácio.
Cruzo na sala de
espera
com médicos
anestesistas
concretistas
praxistas
e derrubo uma bandeja
de letrinhas
coloridas,
espaços em branco,
idiogramas chineses,
balas
belas
bílis
bolas
bulas
e seringas.
Quando dou por mim
estou chutando um
caranguejo
e comendo bala de
goma
e limpando um cisco
na dragona
enquanto o dragão não
vem.
Quero ver quem tem
coragem para
contestar
leva rasteira quem se
levantar
e toma golpe de karatê
e cotovelo na cotovia
e samba de breque
teleco-teco
peteleco na orelha
– segura, meu chapa!
e é só esteta voando
contra a parede
com nariz de sangue
e olho inchado de
levar porrada.
Abro a porta
e mando a doente
sair pela tangente
com um tapa no
traseiro
e outros babados.
A menina não tem nada, minha gente.
Vai, morena, pega teu rumo
e toma tento
que essa frescura
te mata.
Marabá
(Rodolpho Amoêdo:
artista brasileiro)
Referência:
COSTA, Eduardo Alves. Tentativa para
salvar a poesia. In: FELIX, Moacyr (Dir.) Poesia
viva I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 204-206. (Coleção
Poesia Hoje, Volume 18, Série Novos Poetas do Brasil)
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