Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 20 de outubro de 2015

João de Jesus Paes Loureiro - O Cenário Amazônico

O professor, escritor e poeta Paes Loureiro é figura por demais conhecida nos meios culturais paraenses. Dentre suas obras poéticas, sobressaem as coletâneas de poemas “Altar em Chamas”, de 1989, e “Cantares Amazônicos”, de 1990.

Mas o que temos por agora, apesar de plasmado aqui e ali por achados eminentemente poéticos, não é um exemplar de sua vigorosa poesia, senão um excerto retirado de sua tese de doutoramento (vide campo “Referência”), elaborada na Universidade Sorbonne-Paris, sob a orientação do sociólogo francês Michel Maffesoli.

Nele, sobram termos regionais que nem mesmo a um seu conterrâneo, como eu, se poderia exigir conhecimento, embora, pelas descrições, seja possível inferir exatamente sobre a que realidades o escritor se refere.

J.A.R. – H.C.

João de Jesus Paes Loureiro
(n. 1939)

A Visualidade Amazônica
(LOUREIRO, 2001, p. 127-129)

Pelas margens do rios há os extensos e plásticos aningais, verdadeiros tapetes de aguapés que se estendem flutuantes, ondeando ao movimento provocado pelas aves aquáticas e os cardumes de peixes. Os cardumes de pratiqueiras (peixes semelhantes às tainhas), por exemplo, são de uma grande beleza quando se alastram pelo rio (podendo atingir, segundo crença nativa, vários quilômetros de extensão). Elas avançam, elas saltam, elas mudam conjuntamente de direção, provocando um fervilhamento nas águas, fazendo ecoar um rumor semelhante ao das ondas que se quebram sucessivamente nas praias. As águas encrespam-se como epidermes arrepiadas de frio ou medo. Vez por outra, pardos mergulhões executam voos curvilíneos, solenes, antes de flecharem mergulhando em busca de algum peixe. Em seguida, emergem súbitos, como jatos vivos de um chafariz, ascendem voando com o peixe ainda trêmulo no bico. E reconquistam o azul até novo mergulho. Pelas margens dos rios estendem-se alvas praias, comumente com parte de sua superfície coberta por uma vegetação rasteira extremamente verde. São lugares de pouso, eleitos por várias aves em busca de comida, pois ali proliferam – na parte lamacenta dos mangais – siris, sararás, caranguejos. Dentre as aves, cabe fazer atenção aos guarás. Eles são de uma rica e flamejante plumagem vermelho-carmim. Quando ainda estão pequenos, são negros como carvão. Mas, quando crescem, suas penas tornam-se como brasas vivas, recobrindo-lhes o corpo equilibrado sobre pernas longas e delicadas, o que lhes confere um porte elegante como o das garças.

Outra iluminura a enriquecer a paisagem do rio é a dos mururés. O poeta paraense Ruy Barata se reconhece e se irmana com eles: “Esse rio é minha rua / Minha e tua mururé”. Suas folhas são espessas e se espalmam horizontalmente à superfície das águas. Essas ninfeáceas têm raízes fortes que se entrelaçam sob as águas, formando uma firme estrutura, como se fossem verdadeiras ilhas vegetais flutuantes. Essas “ilhas de mururés” são denominadas pelos caboclos de periantãs ou marapatás. Elas vagam à flor das águas dos rios na enchente e na vazante, como se fossem um pedaço amputado da mata, escondendo muitas cobras, jacarés, garças e gaivotas, que delas fazem ninho ou pouso itinerante. Pode ocorrer também que alguém que navegue em igarités (pequenas canoas de tábuas ou escavadas a fogo em tronco de árvores) amarre sua canoa nessas ilhotas peregrinas, aproveitando a oportunidade para descansar. Como um solitário Robson, reinando displicentemente em sua terra de posse, unicamente sua e dos insetos e répteis – solitário habitante como todos os aventureiros de todas as terras reais ou imaginárias. A expressão que designa essa atitude é “ir de bubuia”, porque “bubuiar” é verbo que expressa a ação de seguir flutuando ao sabor das águas do rio.

Impossível seria não lembrar a vitória-régia. É a rainha das ninfeáceas e a grande flor aquática da região. Suas folhas verdes chegam a medir 1,8 m de diâmetro. A flor está catalogada como a maior da América, com 30 cm de diâmetro, e é constituída por uma profusão de pétalas, cujas cores se vão matizando progressivamente da manhã para a noite: alvas quando o dia nasce, vão passando ao róseo até à tarde e do róseo chegam ao quase rubro, quando a noite tomba. Durante a noite seguinte, tornam-se brancas para, a partir do nascer do sol, recomeçarem o ciclo cromático. As vitórias-régias estendem-se como tapetes, principalmente nos lagos ou enseadas, muitas vezes escondendo jacarés sob suas folhas, reeditando a imagem mítica dos perigos que se ocultam dialeticamente na beleza.

Vitória-Régia

Referência:

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma poética do imaginário. São Paulo, SP: Escrituras, 2001. (Obras Reunidas)

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