Tal como o poeta português Fernando Pessoa, há algo de falso na poesia
do também poeta e músico baiano José Carlos Capinan: ele faz a lógica da
verdade pelos pontos falsos, assim como Pessoa simula ter a dor que deveras
sente.
É como se negasse a negação para chegar a um conteúdo verdadeiro sobre o
mundo ou sobre as coisas. Mas a lógica da poesia é mais simples, um claro
teorema que emana do “escasso desespero humano”.
J.A.R. – H.C.
José Carlos Capinan
(n. 1941)
II. Poeta e Realidade (Didática)
A poesia é a lógica
mais simples.
Isso surpreende
aos que esperam ser
um gato
drama maior que o meu
sapato
aos que esperam ser o
meu sapato
drama tanto mais duro
que andar descalço
e ainda aos que
pensam não ser meu andar descalço
um modo calmo.
(Maior surpresa terão
passado
os que julgam que me
engano:
ah não sabem quanto
quero o sapato
não sabem quanto
trago de humano
nesse desespero
escasso.
Não sabem mesmo o que
falo
em teorema tão claro.
Como não se cansariam
ao me buscar os passos
pois tenho os pés
soltos e ando aos saltos
e, se me alcançassem,
como se chocariam ao saber que faço
a lógica da verdade
pelos pontos falsos.)
O Homem Descalço - Autorretrato
(John Whitton Bria: artista norte-americano)
Referência:
CAPINAN, José Carlos. In: HOLLANDA,
Heloisa Buarque de (Org.). 26 poetas
hoje: antologia. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Aeroplano Editora, 2007. p.
81-82.
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