Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Paul Éluard - A poesia deve ter por fim a verdade prática

O poeta francês Paul Éluard, por meio do poema em epígrafe, convoca todos para uma cruzada contra a poesia que se manifesta de modo tão apenas intimista, propondo, em contrapartida, cânones artísticos voltados a um maior engajamento social e político, lindeiros, como se diz, aos programas de ação sobre o mundo real.

Note, internauta, que há clara inflexão no quinto terceto do poema, depois de o autor espelhar, nos tercetos precedentes, o estado de anuência íntima com os pares a quem se dirige. Aqui, depois de iniciar o verso com uma adversativa, surge o ponto de discordância do poeta com os seus amigos. Altera-se a anáfora inicial com a muda do verbo “dizer” para “cantar”.

Agora o objeto de observação passa a ser mediato: a rua ou, mais amplamente, o país. E uma vez que o poeta acolhe recusa à proposta de maior compromisso com a instância sociopolítica, vê-se em estado de “alheamento urbano”, já que os outros preferem rumar em direção ao “deserto”. Com isso, perguntamos: a poesia deve mesmo ter por fim a verdade prática, ou essa é apenas uma das muitas formas por meio das quais ela pode se manifestar?!

J.A.R. – H.C.

Paul Éluard
(1895-1952)

La Poésie Doit Avoir Pour But la Vérité Pratique

À mes amis exigeants.

Si je vous dis que le soleil dans la forêt
Est comme un ventre qui se donne dans un lit
Vous me croyez vous approuvez tous mes désirs

Si je vous dis que le cristal d’un jour de pluie
Sonne toujours dans la paresse de l’amour
Vous me croyez vous allongez le temps d’aimer

Si je vous dis que sur les branches de mon lit
Fait son nid un oiseau qui ne dit jamais oui
Vous me croyez vous partagez mon inquietude

Si je vous dis que dans le golfe d’une source
Tourne Ia clé d’un fleuve entr’ouvrant Ia verdure
Vous me croyez encore plus vous comprenez

Mais si je chante sans détours ma rue entière
Et mon pays entier comme une rue sans fin
Vous ne me croyez plus vous allez au désert

Car vous marchez sans but sans savoir que les hommes
Ont besoin d’être unis d’espérer de lutter
Pour expliquer le monde et pour le transformer

D’un seul pas de mon coeur je vous entraînerai
Je suis sons forces j’ai vêcu je vis encore
Mais je m’étonne de parler pour vous ravir

Quand je voudrais vous libérer pour vous confondre
Aussi bien avec l’algue et le jonc de l’aurore
Qu’avec nos frères qui construisent leur lumière.

Ponte do Brooklyn
(Leonid Afremov: pintor israelense)

A poesia deve ter por fim a verdade prática

A meus amigos exigentes.

Se eu vos disser que o sol ardendo na floresta
Semelha um ventre que se oferta sobre um leito
Me acreditais pois aprovais os meus desejos

Se eu vos disser que a cor cristal de um céu chuvoso
Ressoa sempre na preguiça de um amor
Me acreditais pois prolongais tempos de amar

Se eu vos disser que sobre os ramos do meu leito
Faz ninho um pássaro que nunca diz que sim
Me acreditais pois partilhais minha inquietude

Se eu vos disser que em meio ao seio de uma fonte
Gira a chave de um rio entreabrindo a verdura
Me acreditais e ainda mais me compreendeis

Mas se eu cantar sinceramente a rua inteira
E todo o meu país como uma rua imensa
Já não me acreditais ireis para o deserto

Pois caminhais sem rumo e não sabeis que os homens
Necessitam se unir e esperar e lutar
Para explicar o mundo e para transformá-lo

Com um só pulsar do peito eu vos seduzirei
Já estou sem forças já vivi e vivo ainda
Porém me espanto de falar para encantar-vos

Se eu vos queria libertar pra confundir-vos
Seja com a alga e o junco e os sargaços da aurora
Seja com os irmãos que constroem sua luz.

Referência:

ÉLUARD, Paul. La poésie doit avoir pour but la vérité pratique / A poesia deve ter por fim a verdade prática. In: RIVERA, José Jeronymo (Organização e Tradução). Poesia francesa: pequena antologia bilíngue. 2. ed. revista e aumentada. Brasília, DF: Thesaurus, 2005. Em francês: p. 164 e 166; em português: p. 165 e 167.

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