O poeta francês Paul Éluard, por meio do poema em epígrafe, convoca todos
para uma cruzada contra a poesia que se manifesta de modo tão apenas intimista,
propondo, em contrapartida, cânones artísticos voltados a um maior engajamento
social e político, lindeiros, como se diz, aos programas de ação sobre o mundo
real.
Note, internauta, que há clara inflexão no quinto terceto do poema, depois
de o autor espelhar, nos tercetos precedentes, o estado de anuência íntima com
os pares a quem se dirige. Aqui, depois de iniciar o verso com uma adversativa,
surge o ponto de discordância do poeta com os seus amigos. Altera-se a anáfora
inicial com a muda do verbo “dizer” para “cantar”.
Agora o objeto de observação passa a ser mediato: a rua ou, mais
amplamente, o país. E uma vez que o poeta acolhe recusa à proposta de maior compromisso
com a instância sociopolítica, vê-se em estado de “alheamento urbano”, já que
os outros preferem rumar em direção ao “deserto”. Com isso, perguntamos: a
poesia deve mesmo ter por fim a verdade prática, ou essa é apenas uma das
muitas formas por meio das quais ela pode se manifestar?!
J.A.R. – H.C.
Paul Éluard
(1895-1952)
La Poésie Doit Avoir Pour But la Vérité
Pratique
À mes amis exigeants.
Si je vous dis que le
soleil dans la forêt
Est comme un ventre
qui se donne dans un lit
Vous me croyez vous
approuvez tous mes désirs
Si je vous dis que le
cristal d’un jour de pluie
Sonne toujours dans la paresse de l’amour
Vous me croyez vous
allongez le temps d’aimer
Si je vous dis que
sur les branches de mon lit
Fait son nid un oiseau qui ne dit jamais oui
Vous me croyez vous
partagez mon inquietude
Si je vous dis que
dans le golfe d’une source
Tourne Ia clé d’un fleuve
entr’ouvrant Ia verdure
Vous me croyez encore
plus vous comprenez
Mais si je chante
sans détours ma rue entière
Et mon pays entier comme une rue sans fin
Vous ne me croyez plus vous allez au désert
Car vous marchez sans but sans savoir que les
hommes
Ont besoin d’être
unis d’espérer de lutter
Pour expliquer le
monde et pour le transformer
D’un seul pas de mon
coeur je vous entraînerai
Je suis sons forces j’ai
vêcu je vis encore
Mais je m’étonne de parler
pour vous ravir
Quand je voudrais
vous libérer pour vous confondre
Aussi bien avec l’algue
et le jonc de l’aurore
Qu’avec nos frères
qui construisent leur lumière.
Ponte do Brooklyn
(Leonid Afremov:
pintor israelense)
A poesia deve ter por fim a verdade
prática
A meus amigos exigentes.
Se eu vos disser que
o sol ardendo na floresta
Semelha um ventre que
se oferta sobre um leito
Me acreditais pois
aprovais os meus desejos
Se eu vos disser que
a cor cristal de um céu chuvoso
Ressoa sempre na
preguiça de um amor
Me acreditais pois
prolongais tempos de amar
Se eu vos disser que
sobre os ramos do meu leito
Faz ninho um pássaro
que nunca diz que sim
Me acreditais pois
partilhais minha inquietude
Se eu vos disser que
em meio ao seio de uma fonte
Gira a chave de um
rio entreabrindo a verdura
Me acreditais e ainda
mais me compreendeis
Mas se eu cantar
sinceramente a rua inteira
E todo o meu país
como uma rua imensa
Já não me acreditais
ireis para o deserto
Pois caminhais sem
rumo e não sabeis que os homens
Necessitam se unir e
esperar e lutar
Para explicar o mundo
e para transformá-lo
Com um só pulsar do
peito eu vos seduzirei
Já estou sem forças
já vivi e vivo ainda
Porém me espanto de
falar para encantar-vos
Se eu vos queria
libertar pra confundir-vos
Seja com a alga e o
junco e os sargaços da aurora
Seja com os irmãos
que constroem sua luz.
Referência:
ÉLUARD, Paul. La poésie doit avoir pour
but la vérité pratique / A poesia deve ter por fim a verdade prática. In:
RIVERA, José Jeronymo (Organização e Tradução). Poesia francesa: pequena antologia bilíngue. 2. ed. revista e
aumentada. Brasília, DF: Thesaurus, 2005. Em francês: p. 164 e 166; em
português: p. 165 e 167.
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