Um poema embebido na mais explícita intertextualidade: as primeiras
páginas do Gênesis aparecem reescritas em ponta-cabeça. No começo não eram as
trevas, mas a luz, que a tudo iluminava de modo profuso...
Não havia descanso, não havia a cor negra, a interação entre seres não
falantes se dava por meio de uma comunicação pelo pensamento.
Até que surgiu a noite, e com ela o repouso, o silêncio e a música. E
então, adveio o canto, para preencher as noites de genuíno encanto.
J.A.R. – H.C.
Márcia Theóphilo
(n. 1941)
A Noite
No princípio não
havia noite
não se sabia o que
era noite
havia somente luz e
era tão intensa nos trópicos
que se tinha a
sensação de passar períodos de azul
de vermelho, de verde
era tão forte a luz
que as pessoas tinham
a sensação de flutuar
dentro das cores
dentro das plantas
tudo o que hoje não
fala, falava
intercomunicava-se
entre si
as árvores se falavam
estimulavam o
pensamento com suas flores
não se sabia o que
era negro
existiam somente as
cores que emanavam da luz
distribuíam
energia-pensamento
mas não se dormia
o homem não conhecia
o que era cansaço
mas não conhecia
também a ternura do repouso
o silêncio e a música
porque a música
nasceu com o silêncio e com a noite
a música nasceu com a
consciência dos primeiros ritmos
e com a noite nasceu
o primeiro canto.
Noite Estrelada
(Van Gogh: Pintor
Holandês)
Referência:
THEÓPHILO, Márica. A noite. In: GARCÍA,
Xosé Lois. Antologia da poesia
brasileira / Antología de la poesía brasileña. Edición bilingüe. Santiago
de Compostela, Galiza, U.E.: Laiovento, 2001. p. 312.
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