Uma balada que bem poderia ter um designativo de elegia. Um poema selecionado,
por José Nêumanne Pinto, entre os mais significativos da obra do poeta piauiense
Mário Faustino, justificando as razões pelas quais o escolheu para compor a
seleta lista dos cem melhores poetas brasileiros do século XX. Eis aí do que
trata a postagem de hoje.
De fato, belo em sua dramaticidade. Afinal, um ato terminativo contra a
própria vida jamais poderá ser considerado natural. Mas os contrafortes intransponíveis
levantados pela própria mente, lança o suicida numa luta de difícil avaliação
por quem não a está experimentando. Luta sem perspectivas de vitória, inglória.
E um voo para a liberdade, ainda que tardia.
J.A.R. – H.C.
Mário Faustino
(1930-1962)
Balada
(Em memória de um poeta suicida)
Não conseguiu firmar
o nobre pacto
Entre o cosmos
sangrento e a alma pura.
Porém, não se dobrou
perante o fato
Da vitória do caos
sobre a vontade
Augusta de ordenar a
criatura
Ao menos: luz ao sul
da tempestade.
Gladiador defunto mas
intacto
(Tanta violência, mas
tanta ternura),
Jogou-se contra um
mar de sofrimentos
Não para pôr-lhes
fim, Hamlet, e sim
Para afirmar-se além
de seus tormentos
De monstros cegos
contra um só delfim,
Frágil porém vidente,
morto ao som
De vagas de verdade e
de loucura.
Bateu-se delicado e
fino, com
Tanta violência, mas
tanta ternura!
Cruel foi teu
triunfo, torpe mar.
Celebrara-te tanto,
te adorava
Do fundo atroz à
superfície, altar
De seus deuses
solares – tanto amava
Teu dorso cavalgado
de tortura!
Com que fervor enfim
te penetrou
No mergulho fatal com
que mostrou
Tanta violência, mas
tanta ternura!
Envoi
Envoi
Senhor, que perdão tem o meu amigo
Por tão clara
aventura, mas tão dura?
Não está mais comigo.
Nem conTigo:
Tanta violência. Mas
tanta ternura.
O Suicida
(Édouard Manet:
pintor francês)
Referência:
FAUSTINO, Mário. Balada. In:
__________. O homem e sua hora e outros
poemas. Pesquisa e organização de Maria Eugenia Boaventura. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009. p. 135-136. (Série ‘Companhia de Bolso’)
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