A arte de atribuir valor às palavras sempre inquietou os poetas: neste
poema de Mendes, por exemplo, vincula-se o fazer poético ao próprio momento da
criação – e da morte, seu par antinômico.
Em suas linhas e entrelinhas, agrega-se valor à escrita por intermédio
de um hiperbólico anelo místico, dando vazão às falas que interpretam
unitariamente a diversidade do mundo. Todos em um. Linhas de força partindo de
cada um para todos os outros. E todos unidos sob a influência de um mesmo
sublime e divino campo.
J.A.R. – H.C.
Murilo Mendes
(1901-1975)
Poema Visto por Fora
O espírito da poesia
me arrebata
Para a região sem
forma onde passo longo tempo imóvel
Num silêncio de antes
da criação das coisas.
Súbito estendo o
braço direito e tudo se encarna:
O esterco novo da
volúpia aquece a terra,
Os peixes sobem dos
porões do oceano,
As massas
precipitam-se na praça pública.
Bordéis e igrejas,
maternidades e cemitérios
Levantam-se no ar
para o bem e para o mal.
Os diversos
personagens que encerrei
Deslocam-se uns dos
outros, fundam uma comunidade
Que eu presido ora
triste ora alegre.
Não sou Deus porque
parto para Ele,
Sou um deus porque
partem para mim.
Somos todos deuses
porque partimos para um fim único.
Em: “A Poesia em Pânico: 1936-1937)
Contemplação: monge no litoral
(Jakub Schikaneder:
pintor tcheco)
Referência:
MENDES, Murilo. Poema visto por fora.
In: __________. Melhores poemas de
Murilo Mendes. 3. ed. Seleção de Luciana Stegagno Picchio. São Paulo, SP:
Global, 2000. p. 73. (‘Os Melhores Poemas’, n. 32)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário