Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Murilo Mendes - Poema Visto por Fora

A arte de atribuir valor às palavras sempre inquietou os poetas: neste poema de Mendes, por exemplo, vincula-se o fazer poético ao próprio momento da criação – e da morte, seu par antinômico.

Em suas linhas e entrelinhas, agrega-se valor à escrita por intermédio de um hiperbólico anelo místico, dando vazão às falas que interpretam unitariamente a diversidade do mundo. Todos em um. Linhas de força partindo de cada um para todos os outros. E todos unidos sob a influência de um mesmo sublime e divino campo.

J.A.R. – H.C.

Murilo Mendes
(1901-1975)

Poema Visto por Fora

O espírito da poesia me arrebata
Para a região sem forma onde passo longo tempo imóvel
Num silêncio de antes da criação das coisas.
Súbito estendo o braço direito e tudo se encarna:
O esterco novo da volúpia aquece a terra,
Os peixes sobem dos porões do oceano,
As massas precipitam-se na praça pública.
Bordéis e igrejas, maternidades e cemitérios
Levantam-se no ar para o bem e para o mal.

Os diversos personagens que encerrei
Deslocam-se uns dos outros, fundam uma comunidade
Que eu presido ora triste ora alegre.

Não sou Deus porque parto para Ele,
Sou um deus porque partem para mim.
Somos todos deuses porque partimos para um fim único.

Em: “A Poesia em Pânico: 1936-1937)

Contemplação: monge no litoral
(Jakub Schikaneder: pintor tcheco)

Referência:

MENDES, Murilo. Poema visto por fora. In: __________. Melhores poemas de Murilo Mendes. 3. ed. Seleção de Luciana Stegagno Picchio. São Paulo, SP: Global, 2000. p. 73. (‘Os Melhores Poemas’, n. 32)

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