Há muitos obstáculos à beleza, em especial nos centros urbanos: placas
de propaganda abusivamente distribuídas às margens de nossas autopistas; lixo
por toda a parte e, sobretudo, o concentrado nos depósitos a céu aberto; rios
degradados pelos dejetos industriais etc.
Mas a beleza resiste mesmo à pobreza: é o que comprova o artista plástico
paulista, radicado nos EUA, Vik Muniz. É
louvável o trabalho que ele empreendeu com os catadores de materiais
recicláveis retirados do Jardim Gramacho, Duque de Caxias, Rio de Janeiro,
levado às telonas pelo documentário “Lixo Extraordinário”, de 2010. Se você
estiver com um tempo disponível, veja a película que postamos a seguir:
J.A.R. – H.C.
Carlos Ávila
(n. 1955)
Apreciação de Manuel da Costa Pinto
(2006, p. 48-49)
Com um processo
criativo que se coloca sob o arco de influência da poesia concreta, Ávila
trabalha aqui a relação significante-significado de um modo que assimila outras
referências estéticas. A palavra “obstáculo” constitui, ela mesma, por força de
sua repetição, aquilo que oblitera a “beleza/ de todo tipo/ em toda parte/
[...] de todo lado/ em todo estado”. O resultado é um poema que dá substância
visual a sua “mensagem”, ou seja, em que a espacialidade e a materialidade das
palavras cadenciam uma leitura feita de obstáculo em obstáculo(*).
Essa correspondência rigorosa entre forma e conteúdo corresponde àquilo que os
concretos chamam de “isomorfismo”, mas seria impossível não pensar também na “pedra
no meio do caminho” de Drummond ou mesmo na filiação (real e simbólica) de
Carlos Ávila — uma vez que, assim como seus pais (os poetas Affonso Ávila e
Laís Corrêa de Araújo), o autor de Bissexto
Sentido agrega ao experimentalismo poético um sentido crítico e satírico.
Principais Obras: Aqui & Agora (1981), Sinal de Menos (1989) – reunidos em Bissexto Sentido (Perspectiva, 1999),
que também inclui a série Ásperos – e
Obstáculos (Memória Gráfica, 2004).
(*). Originalmente,
cada conjunto de quatro versos desse poema ocupa uma página ímpar do livro Obstáculos, criando uma sequência de
blocos de palavras cujo efeito rítmico e visual não pôde ser reproduzido aqui.
(Randy Vosbeck:
pintor norte-americano)
Obstáculos
obstáculos
à beleza
de todo tipo
em toda parte
não há país
nem paisagem
a voz não soa
a vida à toa
obstáculos
à beleza
de todo lado
em todo estado
assassinato
sem assinatura
palavra calada
mera rasura
obstáculos
à beleza
pouco ar
em todo lugar
apenas tédio
gosto médio
ofício sem ossos
oficina do ócio
obstáculos
à beleza
obstáculos
obstáculos
(De: “Obstáculos”)
Referência:
ÁVILA, Carlos. Obstáculos. In: PINTO,
Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo:
Publifolha, 2006. p. 47-48.
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