Este poema, homônimo a um outro de Hesse que aqui
já postamos, configura um autorretrato do poeta, ao falar dos momentos e das
circunstâncias em que a poesia lhe aflora.
Ao perscrutá-lo, muito o associei a passagens de Nietzsche, em especial
do clássico “Assim Falou Zaratustra”, quando replica vezes sem conta a sua
máxima, vale dizer, “Só louco, só poeta”. Apenas Hesse agregou uma terceira
classe ao grupo dos que veem os estados do mundo de um modo diferenciado: as
crianças, a quem a deusa também “emprestou seu véu”.
J.A.R. – H.C.
Hermann Hesse
(1877-1962)
O Poeta
À noite, eu muitas
vezes não consigo dormir:
a vida dói.
Fico então a brincar
com as palavras,
com as boas e as más,
com as gordas e as
magras,
e vou nadando pelo
espelho do mar delas.
Longínquas ilhas
surgem com azuis palmeiras,
da praia sopra um
vento perfumado,
na praia um menino
cata conchinhas de várias cores,
banha-se em verde
cristal uma mulher cor de neve.
Como no mar
arrepiam-se as cores,
em minha alma flutuam
sonhos-versos:
gotejam de prazer,
enrijecem de luto,
bailam, correm,
dispersam-se perdidos,
enrolam-se em
palavras conformados com essa vestimenta,
interminavelmente vão
trocando de som, forma e semblante,
parecem antiquíssimos
e contudo cheios de inconsistência,
A maioria das pessoas
não entende:
dão por loucura os
sonhos e me dão por perdido
– e assim me veem
mercadores, jornalistas, professores.
Crianças e mulheres
muitas, de outro lado,
sabem de tudo e me
amam como eu a elas,
pois também elas estão
vendo o caos dos aspectos do mundo
e a elas também a
deusa emprestou seu véu.
O Poeta Pobre
(Carl Spitzweg:
pintor alemão)
Referência:
HESSE, Hermann. O poeta. In:
__________. Andares: antologia
poética. Tradução de Geir Campos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1976. p.
142.
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