Para um tema congênere ao pessimismo da postagem anterior, transcrevemos,
por ora, um belo poema do romântico inglês John Keats: será ou não a melancolia
prima-irmã de toda a tristeza que perpassa o espírito humano?
O poema flui sob a forma de orientações a quem está exposto à
melancolia: o paciente não há de banhar-se nas águas do Letes – rio que, na
mitologia grega, simboliza o esquecimento –, não deve atentar contra a própria
vida, tampouco expor-se a pensamentos por onde circulem imagens soturnas como as
do escaravelho, da coruja e da falena, outras tantas metáforas do sofrimento e
da morte.
O remédio para a melancolia? Contra a opressão da dor, Keats propõe o
prazer da beleza, esse efêmero prazer cujo templo tem o seu altar ambientado na
melancolia, “só visível a quem sorver a uva da alegria e, desse modo, em
contato com o travo da tristeza, pousar mais um troféu entre as névoas da dor”.
Quer mais da imaginação romântica, leitor? Keats está no cimo dessa montanha!
J.A.R. – H.C.
John Keats
(1795-1821)
Ode on Melancholy
I
No, no, go not to Lethe, neither twist
Wolf’s-bane,
tight-rooted, for its poisonous wine;
Nor suffer thy pale forehead to be kiss’d
By
nightshade, ruby grape of Proserpine;
Make not your rosary of yew-berries,
Nor let
the beetle, nor the death-moth be
Your
mournful Psyche, nor the downy owl
A partner in your sorrow’s mysteries;
For
shade to shade will come too drowsily,
And
drown the wakeful anguish of the soul.
II
But when the melancholy fit shall fall
Sudden from
heaven like a weeping cloud,
That fosters the droop-headed flowers all,
And hides
the green hill in an April shroud;
Then glut thy sorrow on a morning rose,
Or on
the rainbow of the salt sand-wave,
Or
on the wealth of globed peonies;
Or if thy mistress some rich anger shows,
Emprison
her soft hand, and let her rave,
And
feed deep, deep upon her peerless eyes.
III
She dwells with Beauty − Beauty that must die;
And joy,
whose hand is ever at his lips
Bidding adieu; and aching Pleasure nigh,
Turning
to poison while the bee-mouth sips:
Ay, in the very temple of Delight
Veil’d Melancholy
has her sovran shrine,
Though
seen of none save him whose strenuous tongue
Can burst Joy’s grape against his palate fine;
His soul
shall taste the sadness of her might,
And
be among her cloudy trophies hung.
Melancolia
(Louis-Jean-François
Lagrenée: 1724-1805)
Pintor Francês
Ode sobre a
Melancolia
I
Não! Não vás para o
Letes, nem tristes raízes
Tortures para obter o vinho que te acena;
Nem no pálido rosto
os beijos cicatrizes
Da beladona, que Prosérpina envenena.
Não faças teu rosário
com amoras parcas,
Nem permitas que o escaravelho ou a falena
Sejam tua Psique, nem que o mocho
do abandono
Partilhe dos
mistérios do teu ser que pena,
Pois logo vem, de sombra em sombra, o
lento sono
Para apagar da alma insana as negras marcas.
II
Mas se acaso o veneno
da melancolia
Cair do céu, chuva de nuvens, que se
espalha
Nas flores e as
reflora ao som da chuva fria,
E apaga os verdes montes no abril da
mortalha,
Purga, então, o
amargor numa rosa da aurora
Ou no arco-íris entre o mar e o sal e a
areia.
Ou numa imperial peônia globular;
Ou se em tua amante
algum ressentimento aflora,
Toma-lhe as mãos e ouve o que a incendeia
E,
olhos nos olhos, colhe o seu mais belo olhar.
III
A Beleza é seu lar;
Beleza que se esvai;
A Alegria, com mãos e lábios sempre em
fuga
Dizendo adeus; e o
Amor que atrai e logo trai
E é já só fel em vez do mel que a abelha
suga:
Sim, pois esse
amorável Templo do prazer
Tem na Melancolia o seu nublado altar,
Só visível a quem com a língua
sorver
A uva da Alegria,
lânguida, no céu
Da boca; o travo da tristeza o irá
encontrar
E entre as névoas da dor pousar
mais um troféu.
Referência:
KEATS, John. Ode on melancholy / Ode sobre a melancolia. In: CAMPOS, Augusto
(sel. e trad.). Byron e Keats:
entreversos. Edição bilíngue. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2009. p. 154 e
156 (original em inglês); p. 155 e 157 (tradução em português).
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