Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 26 de março de 2015

François Villon - Balada das Coisas sem Importância

Conhecer-se a si próprio é uma arte. Há muitos séculos já preconizava o oráculo de Delfos (650 a.c. - 550 a.c.): “Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”.

Aí está o mistério da autorreferência, da mirada em primeiro grau, que tantos vieses faz gerar, tornando-nos quase incapazes de reconhecer nossas imperfeições. É o caso do poeta francês François Villon: diz tudo conhecer do mundo, menos a si mesmo!

Por vezes, apenas um amigo é capaz de nos dar conta da realidade que criamos e manifestamos. E louvável é a condição do homem que, por si próprio reconhece as suas fraquezas: estará em melhores condições para corrigi-las.

J.A.R. – H.C.

François Villon
(1431-1463)

Ballade des Menus Propos

Je congnois bien mouches en laict;
Je congnois a la robe l’homme;
Je congnois le beau temps du laid;
Je congnois au pommier la pomme;
Je congnois l’arbre a veoir la gomme;
Je congnois quand tout est de mesme;
Je congnois qui besongne ou chomme;
Je congnois tout, fors que moy-mesme.

Je congnois pourpoinct au collet;
Je congnois le moyne a la gonne;
Je congnois le maistre au valet;
Je congnois au voyle la nonne;
Je congnois quand piqueur jargonne;
Je congnois folz nourriz de cresme;
Je congnois le vin a la tonne;
Je congnois tout, fors que moy-mesme.

Je congnois cheval du mulet;
Je congnois leur charge et leur somme;
Je congnois Bietrix et Bellet;
Je congnois gect qui nombre et somme;
Je congnois vision en somme;
Je congnois la faulte des Boesmes;
Je congnois filz, varlet et homme:
Je congnois tout, fors que moy-mesme.

Envoi

Prince, je congnois tout en somme;
Je congnois coulorez et blesmes;
Je congnois mort qui nous consomme;
Je congnois tout, fors que moy-mesme.

O Eu Dividido
(Autoria Desconhecida)

Balada das Coisas sem Importância

Conheço se há moscas no leite,
Conheço pela roupa o homem,
Conheço o tédio e o deleite,
Conheço a fartura e a fome,
Conheço a mulher pelo enfeite,
Conheço o princípio e o fim,
Conheço pela chama o azeite,
Conheço tudo, menos a mim.

Conheço o gibão pela gola,
Conheço o rico pelo anel,
Conheço o fiel pela sacola,
Conheço a monja pelo véu,
Conheço o porco pela tripa,
Conheço o irmão pelo latim,
Conheço o vinho pela pipa,
Conheço tudo, menos a mim.

Conheço a mula e o cavalo,
Conheço o carro e a carreta,
Conheço a galinha e o galo,
Conheço o sino e a sineta,
Conheço a flor pelo talo,
Conheço Abel e Caim,
Conheço o pote e o gargalo,
Conheço tudo, menos a mim.

Ofertório

Príncipe, conheço tudo em suma,
Conheço o branco e o carmim,
E a morte que o fim consuma.
Conheço tudo, menos a mim.

Referências:

Em Francês

VILLON, François. Ballade des menus propos. In: __________. Oeuvres completes. Suivies d’un choix des poesies de ses disciples. Edition preparee par la Monnoye. Mise a jour, avec notes et glossaire par M. Pierre Jannet. 3e. éd. Paris, FR: Impression à la demande, 1873. p. 117.

Em Português

VILLON, François. Balada das coisas sem importância. Tradução de Ferreira Gullar. In: GULLAR, Ferreira (Organização e Traduções). O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014. p. 308-309.

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