Conhecer-se a si próprio é uma arte. Há muitos séculos já preconizava o
oráculo de Delfos (650 a.c. - 550 a.c.): “Ó homem, conhece-te a ti mesmo e
conhecerás os deuses e o universo”.
Aí está o mistério da autorreferência, da mirada em primeiro grau, que
tantos vieses faz gerar, tornando-nos quase incapazes de reconhecer nossas
imperfeições. É o caso do poeta francês François Villon: diz tudo conhecer do
mundo, menos a si mesmo!
Por vezes, apenas um amigo é capaz de nos dar conta da realidade que
criamos e manifestamos. E louvável é a condição do homem que, por si próprio
reconhece as suas fraquezas: estará em melhores condições para corrigi-las.
J.A.R. – H.C.
François Villon
(1431-1463)
Ballade des Menus Propos
Je congnois bien mouches en laict;
Je congnois a la robe
l’homme;
Je congnois le beau
temps du laid;
Je congnois au
pommier la pomme;
Je congnois l’arbre a
veoir la gomme;
Je congnois quand
tout est de mesme;
Je congnois qui
besongne ou chomme;
Je congnois tout,
fors que moy-mesme.
Je congnois pourpoinct au collet;
Je congnois le moyne
a la gonne;
Je congnois le
maistre au valet;
Je congnois au voyle
la nonne;
Je congnois quand
piqueur jargonne;
Je congnois folz
nourriz de cresme;
Je congnois le vin a
la tonne;
Je congnois tout,
fors que moy-mesme.
Je congnois cheval du
mulet;
Je congnois leur charge et leur somme;
Je congnois Bietrix et Bellet;
Je congnois gect qui
nombre et somme;
Je congnois vision en somme;
Je congnois la faulte
des Boesmes;
Je congnois filz, varlet et homme:
Je congnois tout,
fors que moy-mesme.
Envoi
Prince, je congnois tout en somme;
Je congnois coulorez
et blesmes;
Je congnois mort qui
nous consomme;
Je congnois tout,
fors que moy-mesme.
O Eu Dividido
(Autoria Desconhecida)
Balada das Coisas sem Importância
Conheço se há moscas no leite,
Conheço pela roupa o homem,
Conheço o tédio e o deleite,
Conheço a fartura e a fome,
Conheço a mulher pelo enfeite,
Conheço o princípio e o fim,
Conheço pela chama o azeite,
Conheço tudo, menos a mim.
Conheço o gibão pela gola,
Conheço o rico pelo anel,
Conheço o fiel pela sacola,
Conheço a monja pelo véu,
Conheço o porco pela tripa,
Conheço o irmão pelo latim,
Conheço o vinho pela pipa,
Conheço tudo, menos a mim.
Conheço a mula e o cavalo,
Conheço o carro e a carreta,
Conheço a galinha e o galo,
Conheço o sino e a sineta,
Conheço a flor pelo talo,
Conheço Abel e Caim,
Conheço o pote e o gargalo,
Conheço tudo, menos a mim.
Ofertório
Príncipe, conheço tudo em suma,
Conheço o branco e o carmim,
E a morte que o fim
consuma.
Conheço tudo, menos a mim.
Referências:
Em Francês
VILLON, François. Ballade des menus propos.
In: __________. Oeuvres completes. Suivies
d’un choix des poesies de ses disciples. Edition preparee par la Monnoye. Mise
a jour, avec notes et glossaire par M. Pierre Jannet. 3e. éd. Paris, FR: Impression
à la demande, 1873. p. 117.
Em Português
VILLON, François. Balada das coisas sem
importância. Tradução de Ferreira Gullar. In: GULLAR, Ferreira (Organização e
Traduções). O prazer do poema: uma
antologia pessoal. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014. p. 308-309.
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