Volta aqui o poeta norte-americano das histórias tormentosas,
aterrorizantes, a nos dar ciência do porquê, ou melhor, de como se tornou tão
íntimo das coisas, diríamos de que modo?, sobrenaturais – para não as qualificar,
a bem dizer, aterrorizantes, infernais.
E há mesmo no espírito de Poe, como aduzem as suas próprias palavras, um
tipo de amor, mas um amor não inter-relacional, senão em interação consigo
mesmo: “E tudo o que eu amei, amei sozinho”. Um amor platônico? Um amor que
vive o prazer de amar para si mesmo? Assim meio pessoano? Algo como o daquela
música lusitana: “de quem eu gosto, nem às paredes confesso”?
Pode ser tudo isso ou não: contudo, decerto, é um amor capaz de
vislumbrar o demo ali no mais profundo azul dos olhos do poeta. Um amor luciferiano.
J.A.R. – H.C.
Edgar Allan Poe
(1809-1849)
Alone
From childhood's hour I have not been
Pa others were − I have not seen
Pa others saw − I could not bring
My passions from a common spring −
From the same source I have not taken
My sorrow − I could not awaken
My heart to joy at the same tone −
And all I loved – I loved alone.
Then − in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life − was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still −
From the torrent, or the fountain −
From the red cliff of the mountain −
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold −
From the lightning in the sky
As it pass’d me flying by −
From the thunder and the storm −
And the cloud that took the form
When the rest of Heaven was blue
Of a demon in my view.
Gravura para “O Paraíso Perdido”
(John Milton)
Gustave Doré: 1832-1883
Sozinho
Da hora da infância,
eu nunca pude ser
Como outros eram, –
nunca pude ver
Como outros viam, –
sentimento algum
Pude extrair de
manancial comum.
Nas mesmas fontes eu
não fui buscar
A minha dor; não pude
despertar
Meu gozo com os tons
de meu vizinho;
E tudo o que eu amei,
amei sozinho.
Então, – na minha
infância, – foi tirado,
Na aurora de um viver
atormentado,
Dos abismos de todo
mal e bem,
O mistério que ainda
me retém:
Da torrente e da
fonte,
Do penhasco vermelho
do monte,
E do sol, a rolar a
meu lado
Com as tintas do
outono dourado...
Do corisco na altura
sem fim,
Que voando passava
por mim...
Da tormenta, da voz
do trovão,
E da nuvem, criando a
ilusão
(Lá no meio do azul a
brilhar)
De um demônio em meu
olhar.
Referência:
POE, Edgar Allan. Alone / Sozinho. In: VIZIOLI, Paulo (Seleção e Tradução).
Poetas norte-americanos. Antologia Bilíngue.
Edição Comemorativa do Bicentenário da Independência dos Estados Unidos da
América: 1776-1976. Rio de Janeiro, RJ: Lidador, 1974. p. 23.
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