Temos aqui um ‘post’ sobre a vida de Shakespeare, mais propriamente uma sinopse de
autoria do jornalista Jerônimo Teixeira. Faz ela menção ao soneto CXXI (121),
no qual o bardo replica a máxima bíblica que se encontra em Êxodo 3:14, ou
seja, “Eu sou o que sou”, modo como Deus teria se apresentado a Moisés. Mais
autorreferente impossível!
J.A.R. – H.C.
William Shakespeare
(1564-1616)
Quem Foi Shakespeare?
(Jerônimo Teixeira)
William Shakespeare nasceu em
Stratford-upon-Avon, na Inglaterra, em 1564. Nada se sabe sobre sua infância e
adolescência, mas acredita-se que tenha estudado em uma boa escola local. Aos
18 anos, casou-se com Anne Hathaway, oito anos mais velha do que ele.
Tiveram duas filhas, Susanna e Judith, e um filho, Hamnet, que morreu aos 11
anos de idade.
Em fins dos anos 80 ou início dos anos
90 do século 16, mudou-se para Londres, onde iria ganhar a vida como ator e
dramaturgo. Não se sabe ao certo como começou a carreira. Seja como for, seu
prestígio cresceu em 1594, quando passou a trabalhar na companhia de teatro
Lord Chamberlain’s Men. Os teatros, na época, eram prédios de madeira, abertos
no teto e circulares. O público distribuía-se em bancos ao redor do palco.
Calcula-se a lotação do maior deles, o Globe, em 3 mil espectadores – Londres tinha
à época 200 mil habitantes.
A produção de Shakespeare, que não
durou mais de 20 anos, povoaria os palcos (e as telas) dos séculos seguintes. É
o dramaturgo mais encenado do mundo e o cinema lhe paga tributo há muito tempo.
Ele escreveu cerca de 40 peças, entre tragédias (Otelo, Romeu e Julieta, Rei Lear), dramas históricos (Henrique V, Ricardo III) e comédias (Muito Barulho por Nada, Sonhos de uma Noite
de Verão).
Ninguém antes dele representou a
natureza humana em toda a sua variedade – a paixão devastadora de Romeu e
Julieta, o ciúme cego de Otelo, a ambição de Macbeth. É aí que a importância de
Shakespeare ultrapassa o palco e foi por isso que o crítico americano Harold
Bloom deu a um livro recente sobre Shakespeare o título de A Invenção do Humano. O motivo, diz Bloom, é que o “humano”, tal
como o entendemos hoje, nunca fora tratado de maneira tão completa e complexa. Shakespeare
foi o primeiro a compor personagens dotados de introversão – ao escutar a si
mesmos, produzindo toda a força do monólogo shakespeareano, mudam e se desenvolvem
diante dos olhos do leitor e do espectador. Hamlet é o exemplo mais acabado
disso.
Shakespeare deve ser o escritor mais
citado do mundo. Mesmo quem não leu Hamlet conhece o verso “Ser ou não ser, eis
a questão”. Outros ressoam em títulos de escritores modernos – dois exemplos são
Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley,
e O Som e a Fúria, de William Faulkner.
A importância de Shakespeare na cultura ocidental contrasta com seu descaso
pela posteridade. Não se sabe de uma só peça que tenha sido publicada com sua
aprovação. Elas circularam em edições piratas sem que o autor protestasse. A
primeira edição respeitável de sua obra é de 1623. De fato, ele se mostrou mais
preocupado com quem mexia em sua bolsa que com quem bagunçava sua poesia: seu
nome consta em vários litígios, como credor e devedor.
Shakespeare morreu em Stratford, em
1616. Os fatos conhecidos sobre sua vida são muito poucos, mas as especulações
compensam. Os sonetos alimentaram a imaginação de críticos e biógrafos, pois são
os únicos textos em que Shakespeare discursa em primeira pessoa. Eles
circularam entre amigos até serem publicados, em 1609. Os personagens
recorrentes dos sonetos são cercados de mistério. O ardor com que Shakespeare dirige-se
a um rapaz anônimo incendiou discussões sobre um possível homossexualismo.
As fantasias mais extravagantes dizem respeito
à identidade do poeta, que foi acusado de plagiário em um panfleto escrito pelo
ressentido dramaturgo Robert Greene. Também já se especulou que as
peças foram escritas por algum nobre (Freud apostava no conde de Oxford), por
Cristopher Marlowe ou por Francis Bacon. “Uma rosa teria o mesmo perfume com
outro nome”, diria Julieta. Shakespeare é a sua obra. “Sou o que sou”, afirma o
bardo no Soneto 121 – e até hoje não se conhece maior imodéstia.
Sonnet CXXI
(121)
’Tis better to be vile than vile esteemed,
When not to be, receives reproach of being,
And the just pleasure lost, which is so deemed,
Not by our feeling, but by others’ seeing.
For why should others’ false adulterate eyes
Give salutation to my sportive blood?
Or on my frailties why are frailer spies,
Which in their wills count bad what I think good?
No, I am that I am, and they that level
At my abuses, reckon up their own,
I may be straight though they themselves be bevel;
By their rank thoughts, my deeds must not be shown.
Unless this general evil they maintain,
All men are bad and in their badness reign.
Soneto CXXI (121)
Melhor ser mesmo vil
do que por vil ser tido,
Quando não ser recebe
a acusação de ser,
E o gozo, embora
justo, fica assim perdido
Ante a condenação de
alheio parecer!
Por que é que os
outros, tendo o olhar adulterado,
Viriam me influir no
sangue sensual?
Quanto espião, do que
meu erro mais errado,
Em tudo o que acho
bom entende ver o mal!
Oh não! eu sou o que
sou; e aqueles que imperspícuos
Censuram meu deslize,
apontam seu pecado;
Posso ser reto, já
que tantos são oblíquos;
Nem por mentes de
lama eu devo ser julgado,
A menos que este mal
sustentem ser verdade:
A humanidade é má, e
exulta na maldade.
Referências:
TEIXEIRA, Jerônimo. Quem foi
Shakespeare?. Superinteressante:
Almanaque de Férias 2003. São Paulo, SP: Abril. Edição nº 190A, p. 142-143.
SHAKESPEARE, William. Sonnet CXXI / Soneto CXXI. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: __________. Sonetos. Tradução e introdução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo, SP: Hedra, 2008. p. 114 (original
em inglês); p. 115 (tradução em português).
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