Sobre um tema já meio vetusto neste blog – o da tradução –, submetemos à
apreciação de nossos leitores um belo poema de Nabokov, o indissociável
escritor de “Lolita”.
E nada melhor do que o fato de tal poema ser conexo à polêmica tradução
que o autor russo empreendeu para a obra clássica “Eugene Onegin”, de seu
compatriota Alexander Pushkin, assunto incidental desta nossa outra postagem.
Tal como Pushkin no precitado romance em versos, Nabokov tece a sua
poesia em duas estrofes sob a forma de sonetos. Na publicação original, a
criação possuía como subtítulo “An Illustration of the ‘Onegin’ Stanza – Metre
and Rhyme Pattern”, além de uma variante para o último verso da segunda
estrofe: “The shadow of your monument”.
Ao restar apenas o substantivo “monumento” no verso em foco, pareceu-me
que Nabokov buscava aludir tanto à escultura em sua homenagem, em frente ao
Museu Russo de São Petersburgo (vide foto abaixo), quanto ao próprio “monumento
literário” que é “Eugene Onegin” – e aqui valho-me de uma indisfarçável, mas
conveniente, metáfora –, ambos “maculados” por uma “impossível”, senão “insultuosa”
tradução (*).
J.A.R. – H.C.
Vladimir Nabokov
(1899-1977)
What is
translation?
1
What is translation? On a platter
A poets pale and glaring head,
A parrot’s screech, a monkey’s chatter,
And profanation of the dead.
The parasites you were so hard on
Are pardoned if I have your pardon,
O, Pushkin, for my stratagem:
I travelled down your secret stem,
And reached the root, and fed upon it;
Then, in a language newly learned,
I grew another stalk and turned
Your stanza patterned on a sonnet,
Into my honest roadside prose −
All thorn, but cousin to your rose.
2
Reflected words can only shiver
Like elongated lights that twist
In the black mirror of a river
Between the city and the mist.
Elusive Pushkin! Persevering,
I still pick up Tatiana’s earring,
Still travel with your sullen rake.
I find another man’s mistake,
I analyze alliterations
That grace your feasts and haunt the great
Fourth stanza of your Canto Eight.
This is my task − a poet’s patience
And scholiastic passion blent:
Dove-dropping on your monument.
Monumento a Pushkin (1799-1837)
São Petersburgo
O que é a tradução?
1
O que é a tradução?
Em um prato
A airada e pálida
cabeça de um poeta,
O estrilo de um
papagaio, a zoeira de um macaco,
E a profanação dos
mortos.
Os parasitas com quem
foste tão severo
Serão perdoados se eu
tiver o teu perdão,
Ó Puchkin, para o meu
estratagema:
Pendi fundo pelo teu
caule secreto,
Cheguei à raiz, e
dela me alimentei;
Então, em uma língua
recém-aprendida,
Outro talo fiz
crescer e converti
Tua estrofe sob a
forma de soneto,
Em minha honesta e corrente
prosa –
Toda espinho, mas prima
de tua rosa.
2
As palavras
refletidas apenas podem tiritar
Tal como as luzes estiradas
que se deformam
No negro espelho de
um rio
Entre a cidade e a
bruma.
Esquivo Puchkin!
Perseverante,
Eu, mesmo assim, recolho
o brinco de Tatiana,
E ainda viajo com o teu
intratável libertino.
Deparo com a falha de outro homem,
Eu sondo as
aliterações
Que ornam as tuas
festas e frequentam a grande
Quarta estrofe de teu
Canto Oito.
Esta é minha tarefa –
a paciência de poeta
Mesclada à paixão
escolástica:
Resíduos de pomba sobre
o teu monumento.
Nota:
(*) Sobre os adjetivos empregados entre aspas, sugerimos a leitura do
oportuno artigo “The Translation Wars” (“As Guerras da Tradução”), de David
Remnick, constante neste endereço da revista
“The New Yorker” – de onde também extraímos o poema sob comento.
Referência:
NABOKOV, Vladimir. What is translation? On translating Eugene Onegin. The New Yorker, 30, n. 47, 8 jan. 1955, p. 34.
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