Vamos a um poema recolhido à seleta “O
Homem e sua Hora e Outros Poemas”, do poeta e jornalista piauiense Mário
Faustino. Faustino, que viveu pouco mais de três décadas, trabalhou na antiga “A
Província do Pará” e, logo após, na “Folha do Norte”, no período de 1947 a
1956, em Belém do Pará.
O livro de poemas supramencionado
contém um prefácio do professor, ensaísta e crítico paraense Benedito Nunes. Nunes
parece estar se referindo, especificamente, ao poema abaixo transcrito, quando comenta:
A agonia, a luta
impulsiva na criação poética que a mesma arte da palavra resolveria, culmina
numa transfusão de opostos: a linguagem se organifica, a vida se verbaliza. De
acordo com a segunda intuição criativa de Mário Faustino, o poema é um todo
vivo, orgânico, de que nada pode ser retirado e ao qual nada pode ser
acrescentado, repousando sobre elos analógicos que garantem – e eis a terceira
intuição – o mútuo envolvimento de palavra e coisa. Realizada como arte, a
poesia concretiza uma experiência, que é aprendizagem da vida e da poesia:
quarto pressuposto intuitivo da poética de “O
homem e sua hora”. Essas quatro intuições perduraram quer no momento “experimental”
quer no momento final (NUNES, 2009, p. 44).
J.A.R. – H.C.
Mário Faustino
(1930-1962)
Vida Toda Linguagem
Vida toda linguagem,
frase perfeita
sempre, talvez verso,
geralmente sem
qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento,
geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um
verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali,
assegurando a perfeição
eterna do período,
talvez verso,
talvez interjetivo,
verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em
língua compassiva
o sangue que criança
espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em
fonte adolescente,
sêmen de homens
maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos
que repetem,
contra negras
janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam
turvas trajetórias.
Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses
verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e
besta, diabo e anjo
e deus talvez, e
nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente
os vocábulos mortos
com que um homem
jovem, nos terraços do inverno,
contra a chuva,
tenta fazê-la eterna –
como se lhe faltasse
outra, imortal
sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
Referências:
FAUSTINO, Mário. Vida
toda linguagem. In: __________. O homem
e sua hora e outros poemas. Pesquisa e organização de Maria Eugenia
Boaventura. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 70-71.
NUNES, Benedito. A
poesia de meu amigo Mário. In: FAUSTINO, Mário. O homem e sua hora e outros poemas. Pesquisa e organização de
Maria Eugenia Boaventura. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 38-56.
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