Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 7 de março de 2015

Mário Faustino - Vida Toda Linguagem

Vamos a um poema recolhido à seleta “O Homem e sua Hora e Outros Poemas”, do poeta e jornalista piauiense Mário Faustino. Faustino, que viveu pouco mais de três décadas, trabalhou na antiga “A Província do Pará” e, logo após, na “Folha do Norte”, no período de 1947 a 1956, em Belém do Pará.

O livro de poemas supramencionado contém um prefácio do professor, ensaísta e crítico paraense Benedito Nunes. Nunes parece estar se referindo, especificamente, ao poema abaixo transcrito, quando comenta:

A agonia, a luta impulsiva na criação poética que a mesma arte da palavra resolveria, culmina numa transfusão de opostos: a linguagem se organifica, a vida se verbaliza. De acordo com a segunda intuição criativa de Mário Faustino, o poema é um todo vivo, orgânico, de que nada pode ser retirado e ao qual nada pode ser acrescentado, repousando sobre elos analógicos que garantem – e eis a terceira intuição – o mútuo envolvimento de palavra e coisa. Realizada como arte, a poesia concretiza uma experiência, que é aprendizagem da vida e da poesia: quarto pressuposto intuitivo da poética de O homem e sua hora. Essas quatro intuições perduraram quer no momento “experimental” quer no momento final (NUNES, 2009, p. 44).

J.A.R. – H.C.

Mário Faustino
(1930-1962)

Vida Toda Linguagem

Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.

Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.

Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo, verbo.

Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias.

Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.

Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno,
                                            contra a chuva,
tenta fazê-la eterna – como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.

Referências:

FAUSTINO, Mário. Vida toda linguagem. In: __________. O homem e sua hora e outros poemas. Pesquisa e organização de Maria Eugenia Boaventura. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 70-71.

NUNES, Benedito. A poesia de meu amigo Mário. In: FAUSTINO, Mário. O homem e sua hora e outros poemas. Pesquisa e organização de Maria Eugenia Boaventura. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 38-56.

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