Trazemos aqui, neste sabadão que já vai chegando ao fim, um belíssimo poema
do norte-americano Wallace Stevens, no qual se parece afirmar que, a despeito de
muitos recusarem a mediação metafísica do mundo, a realidade não deixa de
abarcar aquilo que pensamos, ainda que sejam pensamentos a vagar no
imponderável.
Bérgamo num cartão postal é tanto uma realidade palpável, quanto a
humana construção da cidade em nossa mente. Mas... e se não for verdade que a
realidade existe, como pressupõe Stevens em seu primeiro verso, real e irreal
não coexistiram na mesma unidade? Ou por outra: a não realidade e a não
irrealidade não constituiriam uma unidade?
O que diriam os taoistas? Tudo o quanto existe, quer chamemos realidade
ou irrealidade, promana do Tao com os seus opostos, dois em um. E então?!
J.A.R. – H.C.
Wallace Stevens
(1879-1955)
XXVIII
If it should be true that reality exists
In the mind: the tin plate, the loaf of bread on
it,
The long-bladed knife, the little to drink and her
Misericordia, it follows that
Real and unreal are two in one: New Haven
Before and after one arrives, or, say,
Bergamo on a postcard, Rome after dark,
Sweden described, Salzburg with shaded eyes
Or Paris in conversation at a café.
This endlessly elaborating poem
Displays the theory of poetry,
As the life of poetry. A more severe,
More harassing master would extemporize
Subtler, more urgent proof that the theory
Of Poetry is the theory of life,
As it is, in the intricate evasions of as,
In things seen and unseen, created from
nothingness,
The heavens, the hells, the world, the longed-for
lands.
To Be or Not To Be
(Raceanu Mihai-Adrian:
artista romeno)
XXVIII
Caso seja verdade que
a realidade existe
Na mente: o prato metálico,
a fatia de pão sobre ele,
A faca de lâmina
longa, o pouco para beber e a
Misericórdia do
Senhor reafirmam que
O real e o irreal são
dois em um: New Haven
Antes e depois da
chegada de alguém ou, digamos,
Bérgamo num cartão
postal, Roma depois do anoitecer,
A Suécia em detalhes,
Salzburgo com os olhos protegidos do sol,
Ou Paris nas
conversas de um café.
Este poema
incessantemente elaborado
Revela a teoria da
poesia,
Como a vida da
poesia. Um mestre mais severo,
Mais obsesso, improvisaria
Sutilíssima e impendente
prova de que a teoria
Da poesia é a própria
teoria da vida,
Assim ela está nas
intricadas evasões do conforme,
Nas coisas vistas e
não vistas, criadas a partir do nada,
Os céus, os infernos,
o mundo, as cobiçadas terras.
Referência:
STEVENS, Wallace. XXVIII. If it should be true that reality exists. In:
__________. The collected poems. An Ordinary Evening in New Haven. 11. ed. New York, NY: Alfred A.
Knopf. Inc., feb. 1971. p. 485-486.
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