Rui Barbosa, considerado por muitos como o maior de todos os
brasileiros, sumaria-nos a forma como via o país em 1919, quando se encontrava
em campanha presidencial contra o então senador Epitácio Pessoa, que, ao final,
se elegeu. Pergunto-vos: alguma coisa diferente do que hoje presenciamos nesta ‘terra
brasilis’? Salva-se algum partido? Há mentira até mesmo nos protestos, como
afirma Rui!
Neste dias, fala-se em ‘impeachment’ da presidente Dilma, como se o que
viesse depois fosse, como afirma o jornalista Mino Carta, “o sol da ordem e do
progresso”. Mas nada disso se projeta: saindo Dilma entre o vice-presidente
Michel Temer, que, teria por trás, toda a força do partido com mais peso no
Congresso Nacional.
Um outro ponto: não se percebe, nas palavras de Rui, menção às mentiras
veiculadas sistematicamente pela imprensa. Ou será que a nossa imprensa só diz
a verdade? É ela, com a oposição que foi derrotada nas urnas, que fomenta tal “hipótese
golpista e estúpida”, segundo Carta. Merecemos a nossa grande imprensa?
Costumo dizer que não voto em um candidato A ou B, ou num partido C ou
D. Voto, sempre e sistematicamente, contra quem a grande imprensa – em especial a Rede
Globo e a Veja – defende como candidato ou partido. Isto porque ela atenta
contra a democracia na defesa de seus próprios interesses – e de mais ninguém!
O resto são consequências!
Tristes trópicos!
J.A.R. – H.C.
Rui Barbosa
(1849-1923)
O Reino da Mentira
Mentira toda ela.
Mentira de tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu, onde,
segundo o padre Vieira (que não chegou a conhecer o Sr. Urbano Santos), o
próprio sol mentia ao Maranhão, e direis que hoje mente ao Brasil inteiro.
Mentira nos protestos. Mentira nas promessas. Mentira nos programas. Mentira
nos projetos. Mentira nos progressos. Mentira nas reformas. Mentira nas
convicções. Mentira nas transmutações. Mentira nas soluções. Mentira nos
homens, nos atos e nas coisas. Mentira no rosto, na voz; na postura, no gesto,
na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos.
Mentira dos caudilhos aos seus apaniguados, mentira dos seus apaniguados à
nação. Mentira nas instituições. Mentira nas eleições. Mentira nas apurações.
Mentira nas mensagens. Mentira nos relatórios. Mentira nos inquéritos. Mentira
nos concursos. Mentira nas embaixadas. Mentira nas candidaturas. Mentira nas
garantias. Mentira nas responsabilidades. Mentira nos desmentidos. A mentira
geral. O monopólio da mentira. Uma impregnação tal das consciências pela
mentira, que se acaba por se não discernir a mentira da verdade, que os
contaminados acabam por mentir a si mesmos, e os indenes, ao cabo, muitas vezes
não sabem se estão, ou não estão mentindo. Um ambiente, em suma, de mentiraria,
que, depois de ter iludido ou desesperado os contemporâneos, corre o risco de
lograr ou desesperar os vindouros, a posteridade, a história, no exame de uma
época, em que à força de se intrujarem uns aos outros, os políticos, afinal, se
encontram burlados pelas suas próprias burlas, e colhidos nas malhas da sua
própria intrujice, como é precisamente agora o caso.
Conferência proferida na Associação
Comercial do Rio de Janeiro, em 8 de março de 1919, por ocasião da campanha
presidencial em que teve como antagonista o senador Epitácio Pessoa. Rui venceu em todas
as grandes capitais e cidades do Brasil. (Campanha Presidencial, Bahia, 1921, págs.
77-78)
Referência:
BARBOSA, Rui. O reino da mentira. In:
__________. Antologia. Seleção,
prefácio e notas de Luís Viana Filho. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1953.
p. 23-35.
A atualidade desse texto é quase profética.
ResponderExcluirDe fato, prezado(a):
ExcluirO país submergiu em uma indigência ética, sobretudo no estrato social mais apaniguado.
Um abraço,
João A. Rodrigues