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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 18 de março de 2015

Machado de Assis - O Casamento do Diabo

Um poema que é uma graça, a fina ironia de Machado: Satã resolve casar. Fazer o quê? Encontrou uma dama bonita e encantadora e passou-lhe um galanteio. Deu certo! Casaram-se e, ao final, teve uma lição que fez-lhe doer a cabeça: suas “pontas”, que havia podado para não ser reconhecido pela moça, voltaram a crescer.

E sabe-se bem por qual motivo! Sem usar o vocábulo que denota traição nos dias presentes – “chifre” –, Machado deixa subtendidas “pontas” no poema, para que sejam decifradas pelo intérprete.

E notemos bem para a mensagem paralela que emana do poema, politicamente incorreta nesta pós-modernidade: a mulher é um diabo mais poderoso do que o próprio demo. E mais: no caso, infiel, adúltera. Ante o fato, julgo que se Machado estivesse vivo, seria chamado às falas pelas feministas (rs)!

J.A.R. – H.C.

Machado de Assis
(1839-1908)

O Casamento do Diabo
(Imitação do alemão)

Satã teve um dia a ideia
De casar. Que original!
Queria mulher não feia,
Virgem corpo, alma leal.

           Toma um conselho de amigo,
           Não te cases, Belzebu;
           Que a mulher, com ser humana
           É mais fina do que tu.

Resolvido no projeto,
Para vê-lo realizar,
Quis procurar objeto
Próprio do seu paladar.

           Toma um conselho de amigo,
           Não te cases, Belzebu;
           Que a mulher, com ser humana
           É mais fina do que tu.

Cortou unhas, cortou rabo,
Cortou as pontas, e após
Saiu o nosso diabo
Como o herói dos heróis.

           Toma um conselho de amigo,
           Não te cases, Belzebu;
           Que a mulher, com ser humana
           É mais fina do que tu.

Casar era a sua dita;
Correu por terra e por mar,
Encontrou mulher bonita
E tratou de a requestar.

           Toma um conselho de amigo,
           Não te cases, Belzebu;
           Que a mulher, com ser humana
           É mais fina do que tu.

Ele quis, ela queria,
Puseram mão sobre mão,
E na melhor harmonia
Verificou-se a união.

           Toma um conselho de amigo,
           Não te cases, Belzebu;
           Que a mulher, com ser humana
           É mais fina do que tu.

Passou-se um ano, e ao diabo,
Não lhe cresceram por fim,
Nem as unhas, nem o rabo...
Mas as pontas, essas sim.

           Toma um conselho de amigo,
           Não te cases, Belzebu;
           Que a mulher, com ser humana
           É mais fina do que tu.

           (29 mar. 1863)

As Bruxas de Sabá
(Francisco de Goya: 1746-1828)

Referência:

ASSIS, Machado. O casamento do diabo. In: __________. O Almada & Outros Poemas: poesias. São Paulo: Globo, 1997. p. 99-101. (Obras Completas de Machado de Assis)

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