Um poema que é uma graça, a fina ironia de Machado: Satã resolve casar.
Fazer o quê? Encontrou uma dama bonita e encantadora e passou-lhe um galanteio.
Deu certo! Casaram-se e, ao final, teve uma lição que fez-lhe doer a cabeça:
suas “pontas”, que havia podado para não ser reconhecido pela moça, voltaram a
crescer.
E sabe-se bem por qual motivo! Sem usar o vocábulo que denota traição
nos dias presentes – “chifre” –, Machado deixa subtendidas “pontas” no poema,
para que sejam decifradas pelo intérprete.
E notemos bem para a mensagem paralela que emana do poema, politicamente
incorreta nesta pós-modernidade: a mulher é um diabo mais poderoso do que o
próprio demo. E mais: no caso, infiel, adúltera. Ante o fato, julgo que se
Machado estivesse vivo, seria chamado às falas pelas feministas (rs)!
J.A.R. – H.C.
Machado de Assis
(1839-1908)
O Casamento do Diabo
(Imitação do alemão)
Satã teve um dia a ideia
De casar. Que
original!
Queria mulher não
feia,
Virgem corpo, alma
leal.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
Resolvido no projeto,
Para vê-lo realizar,
Quis procurar objeto
Próprio do seu
paladar.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
Cortou unhas, cortou
rabo,
Cortou as pontas, e
após
Saiu o nosso diabo
Como o herói dos
heróis.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
Casar era a sua dita;
Correu por terra e
por mar,
Encontrou mulher
bonita
E tratou de a
requestar.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
Ele quis, ela queria,
Puseram mão sobre
mão,
E na melhor harmonia
Verificou-se a união.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
Passou-se um ano, e
ao diabo,
Não lhe cresceram por
fim,
Nem as unhas, nem o
rabo...
Mas as pontas, essas
sim.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
(29 mar. 1863)
As Bruxas de Sabá
(Francisco de Goya:
1746-1828)
Referência:
ASSIS, Machado. O casamento do diabo.
In: __________. O Almada & Outros
Poemas: poesias. São Paulo: Globo, 1997. p. 99-101. (Obras Completas de
Machado de Assis)
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