Ao revisitar uma pequena antologia da poetisa carioca, eis que encontro
um poema a fazer referência aos gatos. E nele se percebe o que Celso Luft
resenha sobre a poesia de Cecília:
Notória é a perseguição tenaz de uma
expressão depurada, ascética, rarefeita, a ânsia de perfeição formal. Poesia de
eficiente musicalidade e flagrantes sugestões pictóricas, poesia sensorial,
visual sobretudo. Sinestesias das mais felizes são responsáveis por verdadeiras
magias verbais (LUFT, 1979, p. 211).
E Luft não se engana: na poema que ilustra este ‘post’, nota-se o
recurso preferencial ao visual e ao audível, ao lançar-se mão de injunções tais
como “descolorido”, “polícromos”, “arco-íris”, “lumes”, “xadrez” – como se os
felinos, com o pelo já quase acrômico, ali buscassem, claro! na tinturaria, um
meio de tingi-los para restaurar a beleza primordial –, e outras tantas quanto “ruídos”, “bocejos”, “voz”.
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Os Gatos da Tinturaria
Os gatos brancos,
descoloridos,
passeiam pela
tinturaria,
miram polícromos
vestidos.
Com soberana
melancolia,
brota nos seus olhos
erguidos
o arco-íris, resumo
do dia,
ressuscitando dos
seus olvidos,
onde apagado cada um
jazia,
abstratos lumes
sucumbidos.
No vasto chão da
tinturaria,
xadrez sem fim, por
onde os ruídos
atropelam a
geometria,
os grandes gatos
abrem compridos
bocejos, na dispersão
vazia
da voz feita para
gemidos.
E assim proclamam a
monarquia
da renúncia, e,
tranquilos vencidos,
dormem seu tempo de
agonia.
Olham ainda para os
vestidos,
mas baixam a pálpebra
fria.
Referências:
LUFT, Celso Pedro. Cecília Meireles.
In: __________. Literatura portuguesa e
brasileira. Enciclopédia Globo para os Cursos Fundamental e Médio.
Organização de Álvaro Magalhães. V. II. Porto Alegre, RS: Globo, 1979. p.
210-211.
MEIRELES, Cecília. Os gatos da tinturaria.
In: __________. Cecília de bolso: uma antologia poética. Organização e
apresentação de Fabrício Carpinejar. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p.
96-97. (L&PM Pocket; v. 700)
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