Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 14 de junho de 2014

Wisława Szymborska - Gato num Apartamento Vazio

Vamos a mais um poema em que a figura do gato emerge com toda a sua força, quer real quer alegórica: “Gato num Apartamento Vazio” tem por autora nada menos que a polonesa Wisława Szymborska (pronuncia-se ‘vissuáva xembórsca’), Nobel de Literatura em 1996. Szymborska, informe-se, faleceu mais ou menos recentemente, isto é, em 1º/2/12.

O poema, em tradução algo distinta em relação à transcrita abaixo – atribuída ao premiado escritor lusitano Manuel António Pina –, aparece recitada por um orador português no seguinte endereço.

Há nos meandros deste belo poema o extravasamento de uma sensação de perda, de vazio. Alguma saudade, decerto, de alguém que partiu e que já não pode oferecer os cuidados de que o gato é merecedor. É como se imputassem ao gato a tarefa de expirar, pelo que tão sem sentido se tornou a vida para ele.

E o bichano, obviamente, percebe as alterações na ordem das coisas: já não acendem a lâmpada à noite, os passos na escada não ressoam como antes; as mãos que lhe colocam o alimento não são as mesmas de sempre; algo deixa de ocorrer à hora habitual. Tal fato o leva a empreender buscas no apartamento para tomar ciência do que anda a ocorrer: nos armários, nas prateleiras, sob o tapete. Mas acaba por cair em desânimo. Nada há a fazer, senão dormir e esperar.

Bem se vê que o gato é, poderíamos dizer assim, um dos cônjuges que viu a sua relação rompida pela morte de seu par, tornando-se solitário como um felino. E inconsolável, parece não aceitar tal evento, como se o fim de alguém que muito amava tivesse o condão de girar a funesta insígnia do crânio despido em sua direção.

Um sublime poema, certamente, embora algo lúgubre.

J.A.R. – H.C.

Wisława Szymborska
(1923-2012)

Kot w Pustym Mieszkaniu

Umrzeć – tego nie robi się kotu.
Bo co ma począć kot
w pustym mieszkaniu.
Wdrapywać się na ściany.
Ocierać między meblami.
Nic niby tu nie zmienione,
a jednak pozamieniane.
Niby nie przesunięte,
a jednak porozsuwane.
I wieczorami lampa już nie świeci.

Słychać kroki na schodach,
ale to nie te.
Ręka, co kładzie rybę na talerzyk,
także nie ta, co kładła.

Coś się tu nie zaczyna
w swojej zwykłej porze.
Coś się tu nie odbywa
jak powinno.
Ktoś tutaj był i był,
a potem nagle zniknął
i uporczywie go nie ma.

Do wszystkich szaf się zajrzało.
Przez półki przebiegło.
Wcisnęło się pod dywan i sprawdziło.
Nawet złamało zakaz
i rozrzuciło papiery.
Co więcej jest do zrobienia.
Spać i czekać.

Niech no on tylko wróci,
niech no się pokaże.
Już on się dowie,
że tak z kotem nie można.
Będzie się szło w jego stronę
jakby się wcale nie chciało,
pomalutku,
na bardzo obrażonych łapach.
I żadnych skoków pisków na początek.  

Black and White Kitten
Charles H. Van den Eycken
(1859-1923)

Gato num Apartamento Vazio

Morrer – isso não se faz a um gato.
Pois o que há de fazer um gato
num apartamento vazio.
Trepar pelas paredes.
Esfregar-se nos móveis.
Nada aqui parece mudado,
e no entanto algo mudou.
Nada parece mexido,
e no entanto está diferente.
E à noite a lâmpada já não se acende.

Ouvem-se passos na escada,
mas não são aqueles.
A mão que põe o peixe no pratinho,
também já não é a mesma.

Algo aqui não começa
na hora costumeira.
Algo não acontece
como deve.
Alguém esteve aqui e esteve,
e de repente desapareceu
e teima em não aparecer.

Cada armário foi vasculhado.
As prateleiras percorridas.
Explorações sobre o tapete nada mostraram.
Até uma regra foi quebrada
e os papéis remexidos.
Que mais se pode fazer.
Dormir e esperar.

Espera só ele voltar,
espera ele aparecer.
Vai aprender,
que isso não se faz a um gato.
Para junto dele
como quem não quer nada,
devagarinho,
sobre patas muito ofendidas.
E nada de pular miar no princípio.

Referência:

SZYMBORSKA, Wisława. Gato num apartamento vazio. In: __________. Poemas. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. Edição Bilíngue. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 94-95 (port.); p. 156-157 (pol.).
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