Vamos a mais um poema em que a figura do gato emerge com toda a sua
força, quer real quer alegórica: “Gato num Apartamento Vazio” tem por autora
nada menos que a polonesa Wisława
Szymborska (pronuncia-se ‘vissuáva xembórsca’), Nobel de Literatura em 1996. Szymborska,
informe-se, faleceu mais ou menos recentemente, isto é, em 1º/2/12.
O poema, em tradução
algo distinta em relação à transcrita abaixo – atribuída ao premiado escritor
lusitano Manuel António Pina –, aparece recitada por um orador português no seguinte endereço.
Há nos meandros deste belo poema o extravasamento de uma sensação de
perda, de vazio. Alguma saudade, decerto, de alguém que partiu e que já não
pode oferecer os cuidados de que o gato é merecedor. É como se imputassem ao
gato a tarefa de expirar, pelo que tão sem sentido se tornou a vida para ele.
E o bichano, obviamente, percebe as alterações na ordem das coisas: já
não acendem a lâmpada à noite, os passos na escada não ressoam como antes; as
mãos que lhe colocam o alimento não são as mesmas de sempre; algo deixa de
ocorrer à hora habitual. Tal fato o leva a empreender buscas no apartamento
para tomar ciência do que anda a ocorrer: nos armários, nas prateleiras, sob o
tapete. Mas acaba por cair em desânimo. Nada há a fazer, senão dormir e
esperar.
Bem se vê que o gato é, poderíamos dizer assim, um dos cônjuges que viu
a sua relação rompida pela morte de seu par, tornando-se solitário como um felino.
E inconsolável, parece não aceitar tal evento, como se o fim de alguém que
muito amava tivesse o condão de girar a funesta insígnia do crânio despido em
sua direção.
Um sublime poema, certamente, embora algo lúgubre.
J.A.R. – H.C.
Wisława Szymborska
(1923-2012)
Kot w Pustym Mieszkaniu
Umrzeć – tego nie
robi się kotu.
Bo co ma począć kot
w pustym mieszkaniu.
Wdrapywać się na ściany.
Ocierać między meblami.
Nic niby tu nie
zmienione,
a jednak
pozamieniane.
Niby nie przesunięte,
a jednak porozsuwane.
I wieczorami lampa już nie świeci.
Słychać kroki na schodach,
ale to nie te.
Ręka, co kładzie
rybę na talerzyk,
także nie ta, co
kładła.
Coś się tu nie zaczyna
w swojej zwykłej porze.
Coś się tu nie odbywa
jak powinno.
Ktoś tutaj był i był,
a potem nagle zniknął
i uporczywie go nie
ma.
Do wszystkich szaf się zajrzało.
Przez półki
przebiegło.
Wcisnęło się pod dywan i sprawdziło.
Nawet złamało zakaz
i rozrzuciło papiery.
Co więcej jest do
zrobienia.
Spać i czekać.
Niech no on tylko wróci,
niech no się pokaże.
Już on się dowie,
że tak z kotem
nie można.
Będzie się szło w jego
stronę
jakby się wcale nie
chciało,
pomalutku,
na bardzo obrażonych łapach.
I żadnych skoków pisków na początek.
Black and White Kitten
Charles H. Van den Eycken
(1859-1923)
Gato num Apartamento Vazio
Morrer – isso não se
faz a um gato.
Pois o que há de
fazer um gato
num apartamento
vazio.
Trepar pelas paredes.
Esfregar-se nos
móveis.
Nada aqui parece
mudado,
e no entanto algo
mudou.
Nada parece mexido,
e no entanto está
diferente.
E à noite a lâmpada
já não se acende.
Ouvem-se passos na
escada,
mas não são aqueles.
A mão que põe o peixe
no pratinho,
também já não é a
mesma.
Algo aqui não começa
na hora costumeira.
Algo não acontece
como deve.
Alguém esteve aqui e
esteve,
e de repente
desapareceu
e teima em não
aparecer.
Cada armário foi
vasculhado.
As prateleiras
percorridas.
Explorações sobre o
tapete nada mostraram.
Até uma regra foi
quebrada
e os papéis
remexidos.
Que mais se pode
fazer.
Dormir e esperar.
Espera só ele voltar,
espera ele aparecer.
Vai aprender,
que isso não se faz a
um gato.
Para junto dele
como quem não quer
nada,
devagarinho,
sobre patas muito
ofendidas.
E nada de pular miar
no princípio.
Referência:
SZYMBORSKA, Wisława. Gato num
apartamento vazio. In: __________. Poemas.
Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. Edição Bilíngue. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011. p. 94-95 (port.); p. 156-157 (pol.).
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