Transcrevemos nesta postagem mais um
poema de Edgar Allan Poe, o poeta tantas vezes apresentado em daguerreótipos e,
em décadas mais recentes, em “tattoos” padronizados, como o que abaixo expomos.
Em soneto atípico, com um verso além
dos quatorze padronizados, Poe parece sublinhar as propriedades de determinadas
realidades, como a luz, que, tal qual sabemos das abordagens teóricas da física
quântica, ora se manifesta como “partículas” ou “pacotes” de matéria (quanta)
ora como onda eletromagnética pura.
Poderíamos, sob esse contexto, ir um pouco mais
além do campo de inferências do próprio autor: o das hipóteses gestálticas, para as
quais o todo é maior que a soma das partes, com singularidades e
particularidades que lhe são ontologicamente inerentes.
Fala-nos ele de como a vida se organiza
pela junção de pequenas coisas que se associam e formam esse “puzzle” que é o
universo inteiro, recheado de dualidades, como as luzes e as sombras, a que
tanto recorre o poeta em suas criações: corpo e alma, mar e terra, vida e morte!
Há o silêncio que sobrevém à morte e é
a ele que Poe se reporta em seus versos finais, quando comenta sobre a
recordação dos finados e a erva recente que a tudo recobre – um “silêncio
corpóreo” que a mais ninguém amedronta.
Poe, em contraste à morte, enquanto
força a não ser temida, opõe a dor da solidão e do isolamento, esta sim com
poder para produzir um silêncio bem mais devastador, como consequência da
fatalidade de um destino para o qual se recomenda, desde logo, encomendar a
alma a Deus!
Um final de poema bem ao gosto
saturnino do norte-americano!
J.A.R. – H.C.
Edgar Allan Poe
(Tattoo Design)
Silence
There are some qualities − some incorporate things,
That have a double life, which thus is made
A type of that twin entity which springs
From matter and light, evinced in solid and shade.
There is a two-fold Silence − sea and shore −
Body and soul. One dwells in lonely places,
Newly with grass o’ergrown; some solemn graces,
Some human memories and tearful lore,
Render him terrorless: his name’s “No More”.
He is the corporate Silence: dread him not!
No power hath he of evil in himself;
But should some urgent fate (untimely lot!)
Bring thee to meet his shadow (nameless elf,
That haunteth the lone regions where hath trod
No foot of man), commend thyself to God!
Le Silence
(Odilon Redon: 1840-1916)
Silêncio
Há qualidades
incorpóreas, de existência
dupla, nas quais
segunda vida se produz,
como a entidade dual
da matéria e da luz,
de que o sólido e a
sombra espelham a evidência.
Há pois, duplo
silêncio; o do mar e o da praia,
do corpo e da alma;
um, mora em deserta região
que erva recente
cubra e onde, solene, o atraia
lastimoso saber; onde
a recordação
o dispa de terror;
seu nome é “nunca mais”;
é o silêncio
corpóreo. A esse, não temais!
Nenhum poder do mal
ele tem. Mas, se uma hora
um destino precoce
(oh, destinos fatais!)
vos levar às regiões
soturnas, que apavora
sua sombra, elfo sem
nome, ali onde humana palma
jamais pisou, a Deus
recomendai vossa alma!
Referência:
POE, Edgar Allan. Silêncio. In: __________. Poemas e
Ensaios. Tradução de Osmar Mendes e Milton Amado. 3. ed. São Paulo: Globo, 1999.
p. 48.
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