Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Edgar Allan Poe – Silêncio

Transcrevemos nesta postagem mais um poema de Edgar Allan Poe, o poeta tantas vezes apresentado em daguerreótipos e, em décadas mais recentes, em “tattoos” padronizados, como o que abaixo expomos.

Em soneto atípico, com um verso além dos quatorze padronizados, Poe parece sublinhar as propriedades de determinadas realidades, como a luz, que, tal qual sabemos das abordagens teóricas da física quântica, ora se manifesta como “partículas” ou “pacotes” de matéria (quanta) ora como onda eletromagnética pura.

Poderíamos, sob esse contexto, ir um pouco mais além do campo de inferências do próprio autor: o das hipóteses gestálticas, para as quais o todo é maior que a soma das partes, com singularidades e particularidades que lhe são ontologicamente inerentes.

Fala-nos ele de como a vida se organiza pela junção de pequenas coisas que se associam e formam esse “puzzle” que é o universo inteiro, recheado de dualidades, como as luzes e as sombras, a que tanto recorre o poeta em suas criações: corpo e alma, mar e terra, vida e morte!

Há o silêncio que sobrevém à morte e é a ele que Poe se reporta em seus versos finais, quando comenta sobre a recordação dos finados e a erva recente que a tudo recobre  um “silêncio corpóreo” que a mais ninguém amedronta.

Poe, em contraste à morte, enquanto força a não ser temida, opõe a dor da solidão e do isolamento, esta sim com poder para produzir um silêncio bem mais devastador, como consequência da fatalidade de um destino para o qual se recomenda, desde logo, encomendar a alma a Deus!

Um final de poema bem ao gosto saturnino do norte-americano!

J.A.R. – H.C. 
Edgar Allan Poe
(Tattoo Design)

Silence

There are some qualities − some incorporate things,
That have a double life, which thus is made
A type of that twin entity which springs
From matter and light, evinced in solid and shade.

There is a two-fold Silence − sea and shore −
Body and soul. One dwells in lonely places,
Newly with grass o’ergrown; some solemn graces,
Some human memories and tearful lore,

Render him terrorless: his name’s “No More”.
He is the corporate Silence: dread him not!
No power hath he of evil in himself;

But should some urgent fate (untimely lot!)
Bring thee to meet his shadow (nameless elf,
That haunteth the lone regions where hath trod

No foot of man), commend thyself to God!

Le Silence
(Odilon Redon: 1840-1916)

Silêncio

Há qualidades incorpóreas, de existência
dupla, nas quais segunda vida se produz,
como a entidade dual da matéria e da luz,
de que o sólido e a sombra espelham a evidência.

Há pois, duplo silêncio; o do mar e o da praia,
do corpo e da alma; um, mora em deserta região
que erva recente cubra e onde, solene, o atraia
lastimoso saber; onde a recordação

o dispa de terror; seu nome é “nunca mais”;
é o silêncio corpóreo. A esse, não temais!
Nenhum poder do mal ele tem. Mas, se uma hora

um destino precoce (oh, destinos fatais!)
vos levar às regiões soturnas, que apavora
sua sombra, elfo sem nome, ali onde humana palma

jamais pisou, a Deus recomendai vossa alma!

Referência:

POE, Edgar Allan. Silêncio. In: __________. Poemas e Ensaios. Tradução de Osmar Mendes e Milton Amado. 3. ed. São Paulo: Globo, 1999. p. 48.

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