Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 3 de junho de 2014

Théophile Gautier – Serafita, uma gata burguesa!

Vamos aqui a mais um breve exercício de livre tradução do francês para o português. Claro, a utilizar um livro no qual o tema dos gatos se mostra central. E mais: de um autor francês que os amou como ninguém – Théophile Gautier.

A obra de onde extraímos o excerto abaixo, “Ménagerie Intime”, tece comentários a várias espécies de animais domesticados – e não apenas a gatos –, como cães, cavalos, papagaios e outros bichos menos conhecidos, num autêntico bestiário romantizado dos animais com os quais o poeta teve o prazer de conviver.

Um deles, ou melhor, uma delas – a gata Serafita –, foi objeto de dedicada descrição do autor, revelando-se-nos uma autêntica “burguesinha” (rs), atributo que ninguém ousaria assumir em sentido contrário, por melhor que fossem os argumentos. Aliás, como o faz a gatinha Mimi, de Heinrich Heine!

J.A.R. – H.C. 
Theóphile Gautier
(1811-1872)

Conquérir l'amitié d'un chat est chose difficile. C'est une bête philosophique, rangée, tranquille, tenant à ses habitudes, amie de l'ordre et de la propreté, et qui ne place pas ses affections à l'étourdie: il veut bien être votre ami, si vous en êtes digne, mais non pas votre esclave. Dans sa tendresse il garde son libre arbitre, et il ne fera pas pour vous ce qu'il juge déraisonnable; mais une fois qu'il s'est donné à vous, quelle confiance absolue, quelle fidélité d'affection! Il se fait le compagnon de vos heures de solitude, de mélancolie & de travail. Il reste des soirées entières sur votre genou, filant son rouet, heureux d'être avec vous et délaissant la compagnie des animaux de son espèce. En vain des miaulements retentissent sur le toit, l'appelant à une de ces soirées de chats où le thé est remplacé par du jus de hareng-saur, il ne se laisse pas tenter et prolonge avec vous sa veillée. Si vous le posez à terre, il regrimpe bien vite à sa place avec une sorte de roucoulement qui est comme un doux reproche. Quelquefois, posé devant vous, il vous regarde avec des yeux si fondus, si moelleux, si caressants et si humains, qu'on en est presque effrayé; car il est impossible de supposer que la pensée en soit absente.

Don-Pierrot-de-Navarre eut une compagne de même race, et non moins blanche que lui. Tout ce que nous avons entassé de comparaisons neigeuses dans la Symphonie en blanc majeur ne suffirait pas à donner une idée de ce pelage immaculé, qui eût fait paraître jaune la fourrure de l'hermine. On la nomma Séraphita, en mémoire du roman swedenborgien de Balzac. Jamais l'héroïne de cette légende merveilleuse, lorsqu'elle escaladait avec Minna les cimes couvertes de neiges du Falberg, ne rayonna d'une blancheur plus pure. Séraphita avait un caractère rêveur et contemplatif. Elle restait de longues heures immobile sur un coussin, ne dormant pas, et suivant des yeux, avec une intensité extrême d'attention, des spectacles invisibles pour les simples mortels. Les caresses lui étaient agréables; mais elle les rendait d'une manière très-réservée, et seulement à des gens qu'elle favorisait de son estime, difficilement accordée. Le luxe lui plaisait, et c'était toujours sur le fauteuil le plus frais, sur le morceau d'étoffe le plus propre à faire ressortir son duvet de cygne, qu'on était sûr de la trouver. Sa toilette lui prenait un temps énorme; sa fourrure était lissée soigneusement tous les matins. Elle se débarbouillait avec sa patte; et chaque poil de sa toison, brossé avec sa langue rose, reluisait comme de l'argent neuf. Quand on la touchait, elle effaçait tout de suite les traces du contact, ne pouvant souffrir d'être ébouriffée. Son élégance, sa distinction éveillaient une idée d'aristocratie; et, dans sa race, elle était au moins duchesse. Elle raffolait des parfums, plongeait son nez dans les bouquets, mordillait, avec de petits spasmes de plaisir, les mouchoirs imprégnés d'odeur; se promenait sur la toilette parmi les flacons d'essence, flairant les bouchons; et, si on l'eût laissé faire, elle se fût volontiers mis de la poudre de riz. Telle était Séraphita; et jamais chatte ne justifia mieux un nom plus poétique.

Angora on Chair
Arthur Heyer (1872-1931)

Conquistar a amizade de um gato é tarefa difícil. É um animal filosófico, metódico, tranquilo, seguro de seus hábitos, amigo da ordem e da limpeza, e que não dedica suas afeições imponderadamente: ele quer ser seu amigo, se você fizer por merecer, mas não o seu escravo. Em sua estima ele mantém o livre-arbítrio, e não fará por você o que julgar irrazoável; mas uma vez que ele se entregue a você, que confiança absoluta, que fidelidade de afeição! Ele se torna o seu companheiro nas horas de solidão, de melancolia e de trabalho. Ele permanece noites inteiras sobre os seus joelhos, ronronando e feliz à sua volta, a desconsiderar, desse modo, a companhia de animais de sua espécie. Em vão os miados hão de ressoar sobre o telhado, convidando-o a um desses saraus para gatos nos quais o chá é substituído por um suco de arenque defumado; contudo, ele não ser verá tentado, e prolongará a vigília com você. Se você colocá-lo no chão, ele rapidamente voltará ao seu lugar com uma espécie de arrulho que soa como suave repreensão. Às vezes, sentando à sua frente, ele lhe contempla com os olhos tão comoventes, tão ternos e tão humanos, que há nisso algo de assustador; pois é impossível supor que sua mente seja desprovida de pensamentos.

Don Pierrot de Navarra tinha um companheiro de mesma raça, e não menos branco do que ele. Tenho acumulado na “Sinfonia em Branco Maior” todas as expressões para dar ideia de que uma brancura como a da neve seria insuficiente para  qualificar a pelagem imaculada de minha gata, ao lado da qual a pele do arminho pareceria amarela. Eu a chamei Seraphita, em memória ao romance swedenborgiano de Balzac. Jamais a heroína dessa lenda maravilhosa, quando escalava com Minna os picos cobertos de neve de Falberg, deixava de irradiar brancura mais pura. Seraphita tinha um temperamento sonhador e contemplativo. Passava longas horas imóvel sobre uma almofada, sem dormir, os olhos a seguir, com uma atenção de extrema intensidade, espetáculos invisíveis para os simples mortais. Ela gostava de  carícias, embora as aceitasse de forma muito reservada, e apenas de pessoas a quem houvera honrado com sua aprovação, dificilmente concedida. O luxo lhe agradava, e sempre estávamos seguros de encontrá-la enovelada na poltrona mais nova ou sobre a peça estofada que mais se assemelhasse a um encosto com penas de cisne. Sua toalete levava um tempo enorme; sua pelagem era cuidadosamente alisada todas as manhãs. Ela usava suas patas para lavar-se; e cada pelo do seu velo, depois de escovado com a sua língua rosada, brilhava como prata nova. Quando tocada, ela imediatamente apagava os vestígios do contato, pois não suportava estar desalinhada. Sua elegância e distinção sugeriam uma ideia de aristocracia; e, entre os de sua raça, deve ter sido ao menos uma duquesa. Ela se deleitava com perfumes, mergulhava o focinho nos buquês, mordendo, com pequenos espasmos de prazer, os tecidos impregnados com o olor; caminhava sobre a penteadeira entre os frascos de perfumes, farejando as rolhas; e se houvesse sido autorizada a fazê-lo, ter-se-ia  lançado pó de arroz com prazer. Tal era Seraphita; e jamais uma gata justificou melhor um nome tão poético.

Referência:

GAUTIER, Théophile. Dynastie Blanche. In: __________. Ménagerie Intime. Paris: Alphonse Lemerre Editeur, 1869. p. 22-26.
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