As notas melódicas das composições de Mozart podem-se dizer digressivas:
têm o dom de levar o ouvinte a um mundo de sonhos e quimeras. De pura inventividade,
imaginação. Também de caprichos; aliás, como os próprios momentos epigramáticos
do músico de Salzburgo.
Mas é da alegria da música de Amadeus que pretendo falar: uma alegria
que fomenta a vontade de viver, de iluminar todos os recônditos da alma,
enlevando-a, sublimando-a. Por isso o adjetivo “divino” para Mozart. Pela
beleza espiritual de sua música, cheia de paisagens oníricas ou de lirismo descerrado.
Em suma: um éden musical!
Por isso Mozart é um mito. E mito também pelo que lhe sobreveio à morte:
muita especulação sobre as circunstâncias que o levaram ao enterro numa vala
comum. Teria sido ele envenenado pelo compositor italiano Antonio Salieri,
segundo o fundamento de que, este, paciente insano num asilo, décadas depois, alegara
que havia cometido tão covarde ato?
Hoje, a tese mais provável, é a de que Mozart teria sucumbido a uma
febre reumática aguda, em conjunção com um acidente vascular cerebral provocado
por sangria excessiva (GREENBERG, 2000, p. 2). Consigne-se que a sangria era
uma prática comum, à época, para tentar reativar as defesas do corpo. Afinal, a
penicilina somente mais tarde, em 1928, seria descoberta por Alexander Fleming.
Para todos os gostos, sugeriria dois filmes, ambos a retratar a vida do
músico: (i) “Amadeus” (1984), do tcheco Milos Forman, com cenas filmadas em
Praga, a conter a famosa cena do Imperador Joseph II censurando-lhe o excesso
de notas musicais, assim como a acentuar a genialidade precoce do músico, sua
memória prodigiosa e a capacidade para improvisar e, por fim, a abrigar a tese
de seu envenenamento por Salieri; e (ii) “Divino Amadeus” (1985), de Miroslav
Luther, também tcheco, meio em clima de suspense, mais denso e mais sério que o
anterior, no qual se levantam as suspeições sobre os nomes de Salieri, Constance
– a esposa de Mozart –, a maçonaria, os efeitos da sífilis e outras hipóteses
que teriam contribuído para o seu falecimento.
Mas não gostaria de encerrar esta postagem como uma nota de pesar. E é
exatamente com intento diverso, para tornar o dia de hoje ainda mais belo, que posto
o vídeo a seguir: uma apresentação da Orquestra Filarmônica de Viena, conduzida
pelo maestro austríaco Nikolaus Harnoncourt, em performance para o Movimento nº
III (Presto), do Concerto para Violino nº 1 (KV207), de Mozart. Ao ouvi-lo,
passo das sombras – se por lá pervagava – ao júbilo mais vivaz.
E até me inspiro para elaborar um poema em homenagem ao meu compositor
favorito: um libertário “avant la lettre”!
Mozart
Tão jovem quanto tu, que vais tocando
Uma encantada flauta pelas brenhas
Qual mistério celeste talvez tenhas
Que qualquer nota acolhe o teu comando?
A quantos deuses tens livre acesso?
Que musa tange-te a alma com a lira
De formoso enleio, que não expira,
A libertar o coração opresso?
E assim levaram-te às tenras alturas
Mais cedo do que o natural seria
Dando ensejo a todas as conjecturas
Que até hoje inspira teu grande nome:
Quais concertos cabem na galeria
Das criações que o tempo não consome?
J.A.R. – H.C.
Referência:
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