Uma das Ilustrações de “Os Gatos” de Eliot
Transcrevemos, abaixo, mais um poema da obra “Old Possum’s Book of
Practical Cats”, de T. S. Eliot, neste
caso, “The Ad-Dressing of Cats”, título
que, na tradução do mineiro Ivo Barroso, passou a “Como ‘Tratar’ os Gatos”.
Este gracioso poema, apesar de manter o esquema de rimas duas a duas em
toda a sua extensão, não exibe padrão no tamanho de suas estrofes, com a última
delas bem maior, em quantidade de versos – 30 ao todo –, em relação às duas anteriores
– com 16 linhas.
Mais extensivamente, agora que tive contato com a obra em sua
integralidade – imagine-se um homem da minha idade a adquirir um livro que se
encontrava, nas estantes da Livraria Cultura, entre os voltados ao público infanto-juvenil! (rs) –, posso afirmar que, só aparentemente, o livro trata do
quotidiano de simples gatos: de fato, os poemas retratam o comportamento de
humanos na pele dos felinos. São metáforas, é claro, como o internauta poderá
inferir.
Afinal, é o próprio poeta que, na primeira estrofe, sublinha que os
bichanos são muito parecidos conosco. Os humanos somos fascinados por gatos por
diversos motivos, mas, talvez, o principal deles seja o de que, em seus
mistérios, eles nos permitem que observemos a nós mesmos com mais clareza: “Pois
alguns são sensatos, outros, loucos; Muitos são maus, são bons uns poucos; E
assim como há piedosos, há perversos”. Maldade, bondade, sensatez, piedade e
perversidade seriam, mesmo, qualidades dos gatos? Ou seriam dos humanos?...
E para se dirigir a um gato, você há de começar por sua identidade
pública para, então, adquirir o direito de chamá-lo por seu nome privado, pois,
ao contrário do cão, o gato se “ressente da familiaridade”. Logo, proceda com
cuidado: enquanto o cão acata “qualquer grito ou ordem”, o gato deve ser abordado
com reverência! O “gato humano”, em pessoa!
J.A.R. – H.C.
T. S. Eliot
(1888-1965)
The Ad-Dressing of Cats
You’ve read of several kinds of Cat,
And my opinion now is that
You should need no interpreter
To understand their character.
You now have learned enough to see
That Cats are much like you and me
And other people whom we find
Possessed of various types of mind.
For some are sane and some are mad
And some are good and some are bad
And some are better, some are worse –
But all may be described in verse.
You’ve seen them both at work and games,
And learnt about their proper names,
Their habits and their habitat:
But
How would you
ad-dress a Cat?
So first, your memory I’ll jog,
And say: A CAT IS NOT A DOG.
Now Dogs pretend they like to fight;
They often bark, more seldom bite;
But yet a Dog is, on the whole,
What you would call a simple soul.
Of course I’m not including Pekes,
And such fantastic canine freaks.
The usual Dog about the Town
Is much inclined to play the clown,
And far from showing too much pride
Is frequently undignified.
He’s very easily taken in –
Just chuck him underneath the chin
Or slap his back or shake his paw,
And he will gambol and guffaw.
He’s such an easy-going lout,
He’ll answer any hail or shout.
Again I must remind you that
A Dog’s a Dog – A CAT’S A CAT.
With Cats, some say, one rule is true:
Don’t speak
till you are spoken to.
Myself, I do not hold with that −
I say, you should ad-dress a Cat.
But always keep in mind that he
Resents familiarity.
I bow, and taking off my hat,
Ad-dress him in this form: O CAT!
But if he is the Cat next door,
Whom I have often met before
(He comes to see me in my flat)
I greet him with an OOPSA CAT!
I’ve heard them call him James Buz-James –
But we’ve not got so far as names.
Before a Cat will condescend
To treat you as a trusted friend,
Some little token of esteem
Is needed, like a dish of cream;
And you might now and then supply
Some caviare, or Strassburg Pie,
Some potted grouse, or salmon paste –
He’s sure to have his personal taste.
(I know a Cat, who makes a habit
Of eating nothing else but rabbit,
And when he’s finished, licks his paws
So’s not to waste the onion sauce.)
A Cat’s entitled to expect
These evidences of respect.
And so in time you reach your aim,
And finally call him by his NAME.
So this is this, and that is that:
And there’s how you AD-DRESS A CAT.
Axel Scheffler
(Ilustrador Alemão)
Como “Tratar” os Gatos
De tudo quanto é gato
aqui já leste;
Por isso agora o meu
conselho é este:
Não precisas de
intérprete, ninguém,
Que diga o caráter
que eles têm.
Aprendeste bastante e
sabes, pois,
Que eles são
parecidos com nós dois
E quantos outros mais
que vêm a fio
Cada qual com seu
tipo e seu feitio.
Pois alguns são
sensatos, outros, loucos;
Muitos são maus, são
bons uns poucos;
E assim como há
piedosos, há perversos –
Mas todos cabem por
igual em versos.
Viste-os tanto a
brincar quanto em quizília,
E aprendeste seus nomes
de família,
Seus hábitos, seus
habitats, seus atos:
Mas
Afinal
como se “tratam” Gatos?
Dou-te já na memória
um bom puxão,
Dizendo-te que UM
GATO NÃO É CÃO.
Os Cães fingem que
gostam de baderna,
Mas latem só,
ameaçando a perna;
Pois um Cão, visto em
sua conjuntura,
É o que pode
chamar-se uma alma pura.
Não falo dos Pekins e
as raças raras
Que são exemplos de
caninas taras.
O Cão comum e
citadino, ao passo,
Inclina-se a bancar
sempre o palhaço,
E em vez de
demonstrar sinais de orgulho,
De sua dignidade
sofre o esbulho.
Cai, com facilidade,
na esparrela:
Basta levar tapinhas
na barbela,
Cafuné no pescoço,
erguer de pata,
Que fará zigue-zague
e zaragata.
Faz parte dos
palermas que não mordem
E acatam qualquer
grito, qualquer ordem.
Devo, outra vez,
lembrar-te deste fato:
Um cão é um cão,
porém UM GATO É UM GATO.
Com os Gatos, dizem,
que é regra bastante
Só lhes falares se te falam antes.
Quanto a mim, o
princípio desacato
E acredito que sei
tratar um gato,
Embora tenha em
mente, na verdade,
Que ele ressente a
familiaridade.
Em geral, eu me
inclino com recato,
E digo: Como passa, SENHOR
GATO?
Porém se é um desses
gatos, meu vizinho,
Que encontro a três
por dois pelo caminho,
É claro então que
reformulo o trato
E digo simplesmente:
PASSA, GATO!
(Ouvi dizer que o
nome dele é Gomes,
Mas não cheguei ainda
a dizer nomes.)
Antes que qualquer
gato condescenda
Em tratar-te de
amigo, uma oferenda
É necessária, qual
sinal de aceite.
Algo assim como um
bom prato de leite.
Daí então podes
partir e, às vezes,
Dar-lhe caviar e
bifes hamburgueses,
Ora um naco de carne,
ora peixe em jornal,
Que ele sempre tem
seu gosto pessoal.
(Conheço um gato que,
se está com febre,
Em vez de canja quer
passar a lebre,
E quando acaba ainda
lambe as dobras
Das unhas para
aproveitar as sobras.)
Um gato é alguém que
adquiriu direito
De esperar essas
mostras de respeito.
E assim, embora um
longo tempo tome,
Um dia poderás
chamar-lhe um NOME.
É pão pão, queijo
queijo (mas no prato):
Assim é que se deve
“tratar” Gato.
Ivo Barroso
(Tradutor Brasileiro)
Referência:
ELIOT, T. S. Os gatos. Ilustrações de Axel Scheffler. Tradução de Ivo Barroso.
Edição Bilíngue. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2010. p. 66-69 (em
português); p. 106-109 (em inglês).
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