Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 8 de junho de 2014

T. S. Eliot – Como “Tratar” os Gatos

 Uma das Ilustrações de “Os Gatos” de Eliot

Transcrevemos, abaixo, mais um poema da obra “Old Possum’s Book of Practical Cats”, de  T. S. Eliot, neste caso, “The Ad-Dressing  of Cats”, título que, na tradução do mineiro Ivo Barroso, passou a “Como ‘Tratar’ os Gatos”.

Este gracioso poema, apesar de manter o esquema de rimas duas a duas em toda a sua extensão, não exibe padrão no tamanho de suas estrofes, com a última delas bem maior, em quantidade de versos – 30 ao todo –, em relação às duas anteriores – com 16 linhas.

Mais extensivamente, agora que tive contato com a obra em sua integralidade – imagine-se um homem da minha idade a adquirir um livro que se encontrava, nas estantes da Livraria Cultura, entre os voltados ao público infanto-juvenil! (rs) –, posso afirmar que, só aparentemente, o livro trata do quotidiano de simples gatos: de fato, os poemas retratam o comportamento de humanos na pele dos felinos. São metáforas, é claro, como o internauta poderá inferir.

Afinal, é o próprio poeta que, na primeira estrofe, sublinha que os bichanos são muito parecidos conosco. Os humanos somos fascinados por gatos por diversos motivos, mas, talvez, o principal deles seja o de que, em seus mistérios, eles nos permitem que observemos a nós mesmos com mais clareza: “Pois alguns são sensatos, outros, loucos; Muitos são maus, são bons uns poucos; E assim como há piedosos, há perversos”. Maldade, bondade, sensatez, piedade e perversidade seriam, mesmo, qualidades dos gatos? Ou seriam dos humanos?...

E para se dirigir a um gato, você há de começar por sua identidade pública para, então, adquirir o direito de chamá-lo por seu nome privado, pois, ao contrário do cão, o gato se “ressente da familiaridade”. Logo, proceda com cuidado: enquanto o cão acata “qualquer grito ou ordem”, o gato deve ser abordado com reverência! O “gato humano”, em pessoa!

J.A.R. – H.C.

T. S. Eliot
(1888-1965)

The Ad-Dressing of Cats

You’ve read of several kinds of Cat,
And my opinion now is that
You should need no interpreter
To understand their character.
You now have learned enough to see
That Cats are much like you and me
And other people whom we find
Possessed of various types of mind.
For some are sane and some are mad
And some are good and some are bad
And some are better, some are worse –
But all may be described in verse.
You’ve seen them both at work and games,
And learnt about their proper names,
Their habits and their habitat:
But
How would you ad-dress a Cat?

So first, your memory I’ll jog,
And say: A CAT IS NOT A DOG.

Now Dogs pretend they like to fight;
They often bark, more seldom bite;
But yet a Dog is, on the whole,
What you would call a simple soul.
Of course I’m not including Pekes,
And such fantastic canine freaks.
The usual Dog about the Town
Is much inclined to play the clown,
And far from showing too much pride
Is frequently undignified.
He’s very easily taken in –
Just chuck him underneath the chin
Or slap his back or shake his paw,
And he will gambol and guffaw.
He’s such an easy-going lout,
He’ll answer any hail or shout.

Again I must remind you that
A Dog’s a Dog  A CAT’S A CAT.

With Cats, some say, one rule is true:
Don’t speak till you are spoken to.
Myself, I do not hold with that −
I say, you should ad-dress a Cat.
But always keep in mind that he
Resents familiarity.
I bow, and taking off my hat,
Ad-dress him in this form: O CAT!
But if he is the Cat next door,
Whom I have often met before
(He comes to see me in my flat)
I greet him with an OOPSA CAT!
I’ve heard them call him James Buz-James –
But we’ve not got so far as names.
Before a Cat will condescend
To treat you as a trusted friend,
Some little token of esteem
Is needed, like a dish of cream;
And you might now and then supply
Some caviare, or Strassburg Pie,
Some potted grouse, or salmon paste –
He’s sure to have his personal taste.
(I know a Cat, who makes a habit
Of eating nothing else but rabbit,
And when he’s finished, licks his paws
So’s not to waste the onion sauce.)
A Cat’s entitled to expect
These evidences of respect.
And so in time you reach your aim,
And finally call him by his NAME.

So this is this, and that is that:
And there’s how you AD-DRESS A CAT. 

Axel Scheffler
(Ilustrador Alemão) 

Como “Tratar” os Gatos

De tudo quanto é gato aqui já leste;
Por isso agora o meu conselho é este:
Não precisas de intérprete, ninguém,
Que diga o caráter que eles têm.
Aprendeste bastante e sabes, pois,
Que eles são parecidos com nós dois
E quantos outros mais que vêm a fio
Cada qual com seu tipo e seu feitio.
Pois alguns são sensatos, outros, loucos;
Muitos são maus, são bons uns poucos;
E assim como há piedosos, há perversos –
Mas todos cabem por igual em versos.
Viste-os tanto a brincar quanto em quizília,
E aprendeste seus nomes de família,
Seus hábitos, seus habitats, seus atos:
Mas
    Afinal como se “tratam” Gatos?

Dou-te já na memória um bom puxão,
Dizendo-te que UM GATO NÃO É CÃO.

Os Cães fingem que gostam de baderna,
Mas latem só, ameaçando a perna;
Pois um Cão, visto em sua conjuntura,
É o que pode chamar-se uma alma pura.
Não falo dos Pekins e as raças raras
Que são exemplos de caninas taras.
O Cão comum e citadino, ao passo,
Inclina-se a bancar sempre o palhaço,
E em vez de demonstrar sinais de orgulho,
De sua dignidade sofre o esbulho.
Cai, com facilidade, na esparrela:
Basta levar tapinhas na barbela,
Cafuné no pescoço, erguer de pata,
Que fará zigue-zague e zaragata.
Faz parte dos palermas que não mordem
E acatam qualquer grito, qualquer ordem.

Devo, outra vez, lembrar-te deste fato:
Um cão é um cão, porém UM GATO É UM GATO.

Com os Gatos, dizem, que é regra bastante
Só lhes falares se te falam antes.
Quanto a mim, o princípio desacato
E acredito que sei tratar um gato,
Embora tenha em mente, na verdade,
Que ele ressente a familiaridade.
Em geral, eu me inclino com recato,
E digo: Como passa, SENHOR GATO?
Porém se é um desses gatos, meu vizinho,
Que encontro a três por dois pelo caminho,
É claro então que reformulo o trato
E digo simplesmente: PASSA, GATO!
(Ouvi dizer que o nome dele é Gomes,
Mas não cheguei ainda a dizer nomes.)
Antes que qualquer gato condescenda
Em tratar-te de amigo, uma oferenda
É necessária, qual sinal de aceite.
Algo assim como um bom prato de leite.
Daí então podes partir e, às vezes,
Dar-lhe caviar e bifes hamburgueses,
Ora um naco de carne, ora peixe em jornal,
Que ele sempre tem seu gosto pessoal.
(Conheço um gato que, se está com febre,
Em vez de canja quer passar a lebre,
E quando acaba ainda lambe as dobras
Das unhas para aproveitar as sobras.)
Um gato é alguém que adquiriu direito
De esperar essas mostras de respeito.
E assim, embora um longo tempo tome,
Um dia poderás chamar-lhe um NOME.

É pão pão, queijo queijo (mas no prato):
Assim é que se deve “tratar” Gato.

Ivo Barroso
(Tradutor Brasileiro)

Referência:

ELIOT, T. S. Os gatos. Ilustrações de Axel Scheffler. Tradução de Ivo Barroso. Edição Bilíngue. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2010. p. 66-69 (em português); p. 106-109 (em inglês).
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