O poeta discorre
sobre a dicotomia entre o amor e a perda, o prazer do tempo compartilhado com a
amada – num embalo de intimidade quase dolente, embora pleno de êxtase – e a
amargura do distanciamento, dando-nos conta, incontinenti, da insuficiência das
palavras para preencher o vazio deixado por sua ausência, agora que tudo se convola
em sentimentos nostálgicos.
De uma condição lenta
e doce passa-se a um contexto “amargo e abrupto”, no curso do qual o falante percebe
que a beleza do silêncio, existente apenas diante da presença do outro, torna-se
pungente memória, pois que, estando longe o amor, a comunicação perde profundidade,
não passando de um substituto insatisfatório.
J.A.R. – H.C.
Yehuda Amichai
(1924-2000)
Amargo e abrupto
Amargo e abrupto veio
o fim,
mas lento e doce era
o tempo entre nós,
lentas e doces eram
as noites,
quando minhas mãos
não se tocavam em desespero
mas com amor, o teu
corpo, que separava as duas.
Quando eu entrava em
ti, esta era a possibilidade única
da grande felicidade
ser medida
com a exatidão de uma
dor aguda. Amargo e abrupto.
Lentas e doces eram
as noites,
amargo e rangente
feito areia é o tempo de agora.
“Sejamos
inteligentes”, e pragas semelhantes a isso.
Quanto mais nos
distanciamos do amor,
mais precisamos
conversar,
palavras, frases
longas e arrumadas.
Se estivéssemos
juntos,
poderíamos ficar em silêncio.
Amantes silenciosos
(Ekaterina Gromova:
artista russa)
Referência:
AMICHAI, Yehuda. Amargo
e abrupto. Tradução de Moacir Amâncio. In: __________. Terra e paz:
antologia poética. Organização e tradução de Moacir Amâncio. 1. ed. Rio de
Janeiro, RJ: Bazar do Tempo, 2018. p. 139.
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