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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Daniel Jonas - O meu poema teve um esgotamento nervoso

Nesta reflexão metapoética, o poeta converte o poema em um ente com vontade própria, capaz de rechaçar suas palavras e cair num silêncio enfermiço: de fato, tem-se aqui uma descrição muito plástica do bloqueio criativo, da incapacidade momentânea de a voz poética se expressar por meio da escrita – algo remota, por conseguinte, a sua aptidão para fazer os versos correrem à solta.

 

É esperar, agora, que esse ciclo de “esgotamento nervoso” chegue ao fim, que essa sequência temporal de paralisia imaginativa, pormenorizada tão clinicamente – de um poema com um olhar perdido e palidez clorótica, estendido num leito, sem perspectiva nem desejos –, seja superada, e as linhas, sobre a página à espera, voltem a albergar todo o magnetismo e o encanto das palavras.

 

J.A.R. – H.C.

 

Daniel Jonas

(n. 1973)

 

O meu poema teve um esgotamento nervoso

 

O meu poema teve um esgotamento nervoso.

Já não suporta mais as palavras.

Diz às palavras: palavras

ide embora,

ide procurar outro poema

onde habitar.

 

O meu poema tem destas coisas

de vez em quando.

Posso vê-lo: ali distendido

em cama de linho muito branco

sem perspectivas ou desejo

 

quedando-se num silêncio

pálido

como um poema clorótico.

 

Pergunto-lhe: posso fazer alguma coisa por ti?

mas apenas me fixa o olhar;

fica ali a fitar-me de olhos vazios

e boca seca.

 

Em: “Os fantasmas inquilinos” (2005)

 

Colapso Nervoso

(Rémi Jehenne: artista francês)

 

Referência:

 

JONAS, Daniel. O meu poema teve um esgotamento nervoso. In: __________. Os fantasmas inquilinos: poemas escolhidos. Seleção e posfácio por Mariano Marovatto. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. p. 162.

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