Nesta reflexão metapoética,
o poeta converte o poema em um ente com vontade própria, capaz de rechaçar suas
palavras e cair num silêncio enfermiço: de fato, tem-se aqui uma descrição muito
plástica do bloqueio criativo, da incapacidade momentânea de a voz poética se
expressar por meio da escrita – algo remota, por conseguinte, a sua aptidão
para fazer os versos correrem à solta.
É esperar, agora, que
esse ciclo de “esgotamento nervoso” chegue ao fim, que essa sequência temporal
de paralisia imaginativa, pormenorizada tão clinicamente – de um poema com um
olhar perdido e palidez clorótica, estendido num leito, sem perspectiva nem
desejos –, seja superada, e as linhas, sobre a página à espera, voltem a albergar
todo o magnetismo e o encanto das palavras.
J.A.R. – H.C.
Daniel Jonas
(n. 1973)
O meu poema teve um
esgotamento nervoso
O meu poema teve um
esgotamento nervoso.
Já não suporta mais
as palavras.
Diz às palavras:
palavras
ide embora,
ide procurar outro
poema
onde habitar.
O meu poema tem
destas coisas
de vez em quando.
Posso vê-lo: ali
distendido
em cama de linho
muito branco
sem perspectivas ou
desejo
quedando-se num
silêncio
pálido
como um poema
clorótico.
Pergunto-lhe: posso
fazer alguma coisa por ti?
mas apenas me fixa o
olhar;
fica ali a fitar-me
de olhos vazios
e boca seca.
Em: “Os fantasmas
inquilinos” (2005)
Colapso Nervoso
(Rémi Jehenne:
artista francês)
Referência:
JONAS, Daniel. O meu
poema teve um esgotamento nervoso. In: __________. Os fantasmas inquilinos:
poemas escolhidos. Seleção e posfácio por Mariano Marovatto. 1. ed. São Paulo,
SP: Todavia, 2019. p. 162.
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